As privatizações são sempre algo positivo, porque significam que as companhias não estarão mais submetidas às decisões de governo
A confiança de um dos gestores mais otimistas com Brasil, Mark Mobius, pwermanece elevada.
Em entrevista por telefone, direto de Dubai, Mobius – considerado um guru dos mercados emergentes – disse que o mercado oferece oportunidades, em especial na Bolsa, em companhias ligadas à tecnologia e à saúde.
Na carteira do fundo da gestora, o Brasil representa atualmente uma fatia de 5%, em linha com os níveis históricos.
Segundo Mobius, um aumento da exposição ao País dependeria da qualidade dos ganhos dos ativos. “Se encontrarmos companhias com bons retornos de capital, baixa dívida e alto crescimento de lucro por ação (EPS), aí, claro, aumentaríamos [a posição]”, disse.
Entre os nomes brasileiros que compõem o portfólio estão empresas com Totvs ( TOTS3), Fleury (FLRY3), Lojas Americanas (LAME4; AMER3) e Yduqs (YDUQ3), segundo o site da gestora.
As duas maiores regiões no portfólio são Índia e Taiwan, cada uma com 20% de participação no portfólio. Demais regiões relevantes incluem Turquia, África do Sul, Vietnã e China.
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Durante a conversa, Mobius reforçou que as ações são os melhores ativos para se estar posicionado, desde que o investidor escolha nomes com perspectivas de crescimento dos ganhos. Em outras palavras, o objetivo deve ser o de buscar empresas que ajustem seus preços em meio à alta da inflação no mundo.
Grande defensor de ouro nos portfólios, Mobius voltou a recomendar alocação no metal precioso e se mostrou cético com o avanço das criptomoedas, comparando os ativos digitais à religião.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
InfoMoney: O senhor costuma ser otimista com o Brasil. É possível estar otimista com o mercado brasileiro no contexto atual?
Mark Mobius: Sim, ainda há muito com o que estar otimista. Você percebe que a moeda não está tão ruim e que o mercado está em baixa, mas, principalmente, por conta das empresas large caps que representam a maior parte do índice [Ibovespa], ou seja, bancos, Petrobras e Vale, por exemplo, afetando o índice por inteiro.
E o índice é acompanhado de perto pelos investidores, impactando a psicologia do mercado de forma geral. Mas, ao mesmo tempo, há uma série de companhias médias que não foram muito afetadas e que podem se sair bem.
IM: Do ponto de vista do mercado de ações brasileiro, o copo está meio cheio ou meio vazio? Há oportunidades?
Mobius: Sim, há oportunidades, é só uma questão de encontrar as companhias certas e garantir que os ganhos vão subir. Então há, definitivamente uma oportunidade, mesmo que o sentimento do mercado esteja negativo.
IM: Um grande setor do Ibovespa é o de commodities, que teve um boom recentemente. O senhor acha que é um padrão? Essas empresas devem continuar tendo uma boa performance?
Mobius: Claro. Essas empresas devem continuar se destacando, porque os preços das commodities devem continuar elevados. Mas temos visto que Petrobras, por exemplo, não têm apresentado um bom desempenho – mas isso tem mais a ver com a administração, por ser uma estatal.
IM: Então a agenda de privatizações seria algo positivo e para ficar de olho em 2022?
Mobius: Definitivamente. As privatizações são sempre algo positivo, porque significam que as companhias não estarão mais submetidas às decisões do governo. E como você sabe, qualquer coisa relacionada ao governo acaba caindo em questões como corrupção e diferentes tipos de problemas. Então, se você olhar de um ponto de vista ESG mais C [de cultura], é possível ver que as estatais seriam muito beneficiadas pela privatização.
IM: Os ruídos políticos mexeram com essas companhias ao longo do ano. Em 2022 temos as eleições presidenciais no Brasil. Como o ambiente eleitoral pode impactar o mercado de ações no país?
Mobius: O impacto pode ser grande. Eu lembro de quando o Lula foi eleito pela primeira vez (os ventos vindos do exterior eram significativamente favoráveis e o petista manteve a política econômica de seu antecessor. Depois, deu uma guinada populista e enveredou espetacularmente pela corrupção deslavada até o impeachment da 'companheira' Dilma Rousseff. Lula acabou no xilindró, condenado a mais de 20 anos de cadeia, mas solto pelos parceiros que ele, Lula, pôs no STF. O Supremo e, de resto, o serviço público brasileiro, foi aparelhado pelo PT. A máquina pública passou a operar em favor da corrupção. O esforço do presidente Bolsonaro para moralizar a máquina pública tem enfrentado barreiras quase intransponíveis. Ao ponto de o STF ter descaradamente assumido o posto de 'poder moderador', nas palavras incríveis do presidente da corte, Dias Toffoli), que o mercado estava preocupado, as ações caíram e todos acharam que o governo dele seria um desastre. Resultou que o Lula foi bom para o mercado e a principal razão para isso é que ele conduziu políticas sociais, de forma a melhorar as condições de vida e de educação da população de baixa renda. Qualquer candidato que siga essa estratégia deve se sair bem.
IM: É preciso entrar em 2022 de forma mais cautelosa nos investimentos, adicionando mais proteções ao portfólio dada a incerteza?
Mobius: Sim, com as eleições se aproximando, essa incerteza tende a afetar o mercado. Mas como eu disse, isso às vezes abre oportunidades para os investidores – caso eles consigam encontrar as ações corretas, com bom lucro por ação.
IM: E quais são essas empresas “corretas” no Brasil para se ter hoje na carteira? Quais o senhor tem no portfólio?
Mobius: Temos focado em empresas que usam software [tecnologia], além de empresas de varejo que usam a internet. Não estamos no setor bancário, nem no de mineração, estamos olhando mais para essas empresas nas quais a tecnologia tem tido um grande impacto.
IM: Tecnologia é o principal foco no Brasil. E nas outras regiões? Como estão as alocações?
Mobius: Sim, preciso mencionar também o setor de saúde, qualquer coisa relacionada à medicina no Brasil. E isso vale para nossas estratégias ao redor do mundo. Globalmente, temos grande exposição aos setores de software e tecnologia, bem como saúde, educação e produtos [consumer products].
IM: Uma das grandes preocupações hoje recai sobre o aumento da inflação e das taxas de juros ao redor do mundo. Qual sua opinião sobre isso e como esse cenário afeta os mercados emergentes?
Mobius: Com a maior oferta de dinheiro que temos visto, com um aumento da oferta de dólar americano em cerca de 30%, podemos esperar que os preços subam na mesma proporção. Também temos visto o preço das commodities subirem ainda mais. Por outro lado, a tecnologia tem feito os bens e serviços ficarem mais baratos, então isso tem contribuído para equilibrar.
Por um lado, temos o dinheiro ficando mais caro, levando a um aumento dos custos e, do outro, temos a tecnologia puxado os preços para baixo.
IM: O senhor prefere algum setor específico para usar como proteção no portfólio? Como os investidores podem proteger a carteira?
Mobius: O principal, como mencionei, é o crescimento dos lucros e da receita. E para isso, uma das formas é usar tecnologia de forma a aprimorar a eficiência, além da necessidade de prestar atenção às políticas ESG. Os riscos associados a questões ambientais, sociais e de governança devem ser monitorados, porque mostram como é a cultura da empresa – e se a atitude dos funcionários é positiva para a companhia.
IM: O senhor então tem esse cuidado, de investir em empresas com foco em ESG?
Mobius: Sim. Para cada companhia que analisamos avaliamos os critérios ESG e C, de cultura, também. Então se vemos que uma empresa tem problema com essas políticas, não investimos. Ou então, investimos se conseguimos aprimorar seu modelo de negócios.
IM: Recentemente, o senhor disse que as criptomoedas não são um investimento, mas uma religião. Por que o senhor diz disso?
Mobius: Simplesmente porque é preciso fazer uma pergunta: por que o preço das criptomoedas sobe? O único motivo para a alta é porque outras pessoas estão comprando. Se as pessoas pararem de comprar, os preços caem. Então não tem a ver com ganhos, nem dividendos, nem ativos, apenas com quem está comprando. É como uma religião.
IM: O ouro ainda é um bom ativo para se ter hoje?
Mobus: Sim, sempre, principalmente em momentos de maior volatilidade. É sempre bom ter [no portfólio] para emergências. Todo investidor precisa ter, no mínimo, 5% a 10% do portfólio alocado em ouro.
Mariana Zonta d'Ávila, InfoMoney