sexta-feira, 2 de julho de 2021

João Santana: Precisamos separar estado e economia

 

João Santana, ministro de Infraestrutura do governo Fernando Collor | Foto: Divulgação


Autor do recém-lançado O Estado a Que Chegamos, o ex-ministro da Infraestrutura do governo Collor fala sobre o tamanho da máquina pública, liberalismo e privatizações


Oadvogado João Santana tinha 32 anos, no dia 15 de março de 1990, quando assumiu o comando da Secretaria da Administração Federal do governo recém-eleito do presidente Fernando Collor de Mello. Ao chegar à administração pública, deparou-se com um Estado obeso, voraz na hora de cobrar tributos dos pagadores de impostos. Conseguiu mapear os gastos da máquina e promover uma pequena reforma administrativa, reduzindo o número de ministérios e dispensando servidores. Em maio de 1991, assumiu o Ministério da Infraestrutura e foi um dos responsáveis pela privatização da siderúrgica Usiminas. À Revista Oeste, Santana falou sobre o atual modelo do Estado, que pouco mudou nos últimos anos, criticou a atual reforma administrativa em discussão no Congresso Nacional e pediu mudanças estruturais que realmente façam diferença na vida do contribuinte.

Leia os principais trechos da entrevista.

O que justifica o tamanho da máquina pública?

Os militares construíram um Estado com o objetivo claro de modernizar o país na década de 60. Com a finalidade de tornar o projeto viável, deu-se seguimento a uma política calcada na substituição das importações, na aceleração da industrialização, na montagem de uma infraestrutura moderna e na tomada de crédito internacional. Num primeiro momento, esses objetivos foram alcançados. Contudo, quando foi preciso reorganizar o modelo para atender a outras necessidades que a sociedade e a economia mundial demandavam, optou-se por manter a velha estrutura. Iniciou-se, então, o agigantamento da máquina por falta de objetividade em suas funções. Vários setores da sociedade, cujo relacionamento era de promiscuidade com aquele Estado, resistiram a enxergar as mudanças que estavam transformando o mundo. A insistência no atraso nos deixou de herança a desorganização atual.

Defensores desse modelo sustentam que as empresas públicas são estratégicas. Há companhias assim?

Hoje não mais. Essa narrativa adquiriu musculatura depois da 2ª Guerra Mundial e, em outros países, teve força até os anos 70. Pensava-se que os governos tinham de se desenvolver em segmentos considerados “estratégicos”, como os do petróleo, da energia, da siderurgia e até o nuclear, de modo a dar sustentação à indústria nacional. Na atualidade, isso está superado. A economia mundial cresceu e pôs essa história embaixo do tapete porque se criou uma interdependência maior entre as nações. Ser estratégico, no mundo moderno, é apostar em conhecimento, e não em estatais. Estratégico, como se provou no Japão, na Coreia do Sul e na China, é ter uma sociedade educada, que se debruça sobre a pesquisa e o desenvolvimento. O que vale é o capital intelectual para fazer frente às demandas da modernidade. O investimento tem de ser feito na sociedade.

Ao fazer esse diagnóstico, qual reforma tem de ser aprovada quanto antes?

Sem sombra de dúvida, a administrativa. Gostaria que houvesse uma proposta ampliada, que significasse uma reforma do Estado brasileiro, e não pequenos ajustes na questão dos recursos humanos do funcionalismo. O mecanismo da máquina não pode continuar o mesmo. Caso isso ocorra, não adianta aprovar mudanças tributárias porque, em pouco tempo, teremos de aumentar os impostos novamente. A reforma do Estado é o ponto mais importante que tem de estar no centro da discussão no Congresso Nacional. Precisamos de um novo Brasil, com mudanças nas relações entre Estado e cidadão, além, é claro, de avançar com o programa de privatizações.

É difícil um parlamentar resistir à pressão que vem das ruas

Quais países fizeram reformas administrativas que podem servir de modelo para o Brasil?

Recentemente, reformas muito paradigmáticas foram aprovadas em Portugal e na Inglaterra. No primeiro caso, o país abandonou em definitivo muitas tradições patrimonialistas, como carreiras típicas de Estado. Já os britânicos propuseram alterações focadas na meritocracia. Deixou-se de lado a tal estabilidade e passou-se a priorizar o desempenho do servidor. Além disso, um funcionário deixou de ser ligado estritamente a um departamento e passou a integrar o organograma do Estado como um todo, podendo ser remanejado conforme a necessidade do poder público, evitando a abertura de concursos e mais gastos. Outro ponto importante foi montar uma estrutura que adequasse a folha de pagamento dos servidores à capacidade financeira do Estado. O orçamento não é infinito, como se costuma pensar. Lá, se respeitou o dinheiro do contribuinte.

Como o senhor avalia o pacote de desestatizações do Ministério da Economia?

As concessões em áreas como ferrovias, estradas, aeroportos e saneamento ocorreram com sucesso. Entretanto, temos de avançar com as privatizações, que ocorrem quando o Estado vende seus ativos e recebe dinheiro por eles. No caso da Eletrobras, está havendo a capitalização, ou seja, o governo vende ações, porém continua como sócio majoritário. Da forma como a medida está, vai demorar para que a empresa seja repassada à iniciativa privada em definitivo. Acrescentem-se a isso os chamados jabutis inseridos no texto original. Esses dispositivos estão impondo mais gastos aos cofres públicos.

O que é necessário fazer para facilitar as privatizações?

O Poder Executivo tem de mobilizar a sociedade e levar essa questão ao Congresso Nacional. É difícil um parlamentar resistir à pressão que vem das ruas, porque deputados e senadores dependem da base eleitoral. O governo tem de trazer essa pauta legítima e indicar os rumos que pretende para a reforma do Estado. Não se pode deixar de lado a questão da Petrobras, por exemplo. O presidente precisa enfrentar isso, porque só o Palácio do Planalto pode fazê-lo. Mas por que não faz? Porque Bolsonaro deve ter em mente a crença das estatais estratégicas para o país, o que é um equívoco.

No primeiro trimestre do ano, a economia cresceu 1,2%. Cinquenta e cinco instituições financeiras estão revisando para cima as projeções do Produto Interno Bruto deste ano. O senhor está otimista?

Sim. Nossa economia é extremamente complexa e ampla. Estamos num momento em que se faz necessário retomar a produção, impactada em razão da pandemia de coronavírus. Vamos entrar numa nova rota de atividade. O que me preocupa é a concentração de renda, que está aumentando. Temos também a volta da inflação, responsável por corroer a renda das pessoas ao atingir os combustíveis, a energia elétrica, os aluguéis, os transportes, entre outros. Podemos perceber que, apesar do aumento do PIB, o desemprego continua alto. A função do dirigente público é verificar o que é possível fazer para reduzir essa discrepância e dar condições dignas de vida às pessoas.

Além do marco do saneamento e da lei do gás, quais projetos o senhor avalia que o governo precisa encampar?

Primeiramente, temos de resolver a questão energética do país. Sem energia abundante, não teremos tranquilidade para a área industrial, além de os consumidores arcarem com a fatura alta. É preciso mudar o modelo energético, que, no meu ponto de vista, se perpetua com a capitalização da Eletrobras. A carga tributária que incide sobre áreas de geração de energia é perversa. Os outros projetos são os essenciais, como avançar nos transportes, enfatizando os modais ferroviário e aquaviário, por exemplo. O incentivo virá com o governo destravando os investimentos nessas obras.

Posse dos ministros do governo Fernando Collor; João Santana é o primeiro à direita, na fila de baixo

No passado, o Brasil fabricava 55% dos insumos para os medicamentos. Hoje, produzimos 5%. A que se deve esse gargalo?

À falta de uma política clara de industrialização. Perdemos a competitividade nessa área. A Índia se tornou uma grande produtora de medicamentos porque investiu pesado em um parque industrial nesse ramo. O mundo inteiro importa não só vacinas mas vários remédios daquele país. No caso do Brasil, diversos governos acharam melhor fechar esse mercado para tornar a indústria mais pujante. O resultado foi menor competitividade e atraso em relação ao mundo.

Em seu livro, o senhor mencionou que a esquerda queria o fim do regime militar mas não apresentou um projeto de Estado. A oposição continua assim?

Continua a mesma coisa e talvez pior. Ressalto que não foi só a esquerda que não apresentou um projeto de Estado. A oposição, no geral, não o fez. Mesmo os liberais, que vieram engrossar uma frente que derrubou o regime. À época, imaginava-se que bastava pegar o Estado da mão dos militares e pôr alguém de terno e gravata, o que se mostrou uma tolice. Até mesmo as discussões da Constituição de 1988 não tocaram na questão do tamanho do Estado. Falou-se em direitos, ideologia e o que fazer para não repetir o passado. O ponto central era “o que fazer para atender à demanda moderna?” A Carta Magna é um retrovisor. Não olha para o futuro.

Numa escala de 1 a 10, em que 1 é pouco liberal e 10 é muito liberal, onde está o Brasil?

Entre 2 e 3. O brasileiro ainda não entendeu essa questão. Os liberais também têm culpa, pois não souberam transmitir à sociedade o que é defender a livre-iniciativa. A sociedade brasileira é extremamente fazendária e pede a ajuda do Estado para resolver a maioria dos seus problemas. Um estrangeiro ficaria horrorizado ao ver isso.

O título de seu livro é O Estado a Que Chegamos. Mas qual o Estado de que precisamos?

Aquele que é necessário e longe da economia. Precisamos de um Estado que se concentre nas obrigações clássicas, como a política, a Justiça e os deveres de seguridade. O Estado tem de ter participação mínima no dia a dia das pessoas. Precisa ser um facilitador da vida dos pagadores de impostos.

Cristyan CostaRevista Oeste