sexta-feira, 28 de maio de 2021

Tiago Pavinatto: como é ser gay de direita

 


O advogado e ativista liberal fala sobre patrulhamento ideológico, amarras do coletivismo, militância LGBT e deficiências da Constituição Federal


Tiago Pavinatto, 36 anos, nasceu em Itapira, município localizado no interior do Estado de São Paulo. Quando jovem, atuou como catequista e ministro de Eucaristia — é devoto de Nossa Senhora de Fátima, santa católica celebrada mundialmente. Apaixonou-se pela política precocemente, ainda menino, ao assistir aos comícios do então deputado Barros Munhoz. “A eloquência dele sempre foi fascinante. Eu assistia aos discursos com brilho nos olhos”, conta Pavinatto.

Aos 17 anos, o itapirense deixou sua cidade natal e migrou para a região metropolitana de São Paulo. Ingressou na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde concluiu sua graduação e se tornou mestre e doutor. Em 2005, durante debate promovido no Centro Acadêmico XI de Agosto, da Universidade de São Paulo (USP), assumiu sua homossexualidade. “Não só gay, mas de direita. Antes de qualquer coisa, sou liberal”, afirma o advogado.

Em entrevista concedida à Revista Oeste, Tiago Pavinatto fala da doutrinação nas universidades brasileiras, da importância da luta pelos direitos civis LGBT e das dificuldades de ser gay de direita — isto é, não alinhado à corrente ideológica predominante na política e na academia. Ele também comenta o que classifica de deficiências da Constituição Federal de 1988. Pavinatto acaba de estrear o programa Que Lei É Essa, no canal Operação Policial no YouTube, e está prestes a lançar um novo livro, Estética da Estupidez. “Vai desagradar a todos, porque não perdoa desde homofóbicos até militantes da ideologia de gênero”, explicou. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Há doutrinação ideológica nas universidades?

Existe mais doutrinação ideológica nas escolas do que nas universidades. Na escola, a criança é absolutamente incapaz e o adolescente é relativamente capaz. O professor, na escola, é sempre referência absoluta. Na minha época, quando não existia internet e as pessoas não estavam tão conectadas, a palavra do professor era a última palavra. Acredito que, hoje, esse parâmetro tenha mudado um pouco. Mas é fato que, na educação infantil, um professor carismático e engajado tende a doutrinar de maneira mais eficiente. Como diz Machado de Assis, “o menino é pai do homem”. Então, tudo o que aprendemos na infância carregamos para o resto da vida.

Eu, por exemplo, estudei em faculdade pública [Universidade de São Paulo] — comecei no ano em que Lula assumiu a Presidência do país. Os professores, por serem funcionários públicos, eram perfilhados às doutrinas de esquerda. No entanto, não posso dizer que existe doutrinação nas universidades, porque nesses ambientes encontramos sujeitos legalmente adultos, capazes de checar informações. Então, o sujeito que cede a alguma doutrina ideológica na universidade é aquele que já foi amaciado nos anos escolares. Quem tem curiosidade suficiente não é vítima de doutrinação, porque todo mundo tem acesso a tudo. Cada um faz suas escolhas.

O que o fez ser liberal?

Em primeiro lugar, a aversão ao coletivo. Venho do interior do Estado de São Paulo, e ser gay em cidade pequena é sempre fator excludente — pelo menos era, na minha época. Então, não me encaixava em nenhum dos grupos — sempre existia algum tipo de chacota: ou por ser nerd, ou por ter trejeitos de gay. Então, quando você não se encaixa, fica só. Quando fica sozinho, dá valor máximo ao indivíduo — não de maneira egoísta, mas em respeito à autodeterminação. Então, o primeiro fator que me levou a ser liberal foi este: não ser simpático à ideia do coletivo. Essa conjuntura, de fase anterior à vida adulta, já me empurrou para o liberalismo.

Quando entrei na universidade, não me sentia à vontade com grupos coletivistas — sejam os que pendiam para o marxismo, sejam os que pendiam para o reacionarismo. No começo da vida adulta, encontrei pessoas com perfil liberal, que queriam realmente fazer algo pelos gays. Esse grupo era constituído de pessoas mais à direita, liberais, menos coletivistas. Eu só vi trabalho real, efetivo, eficiente em prol dos LGBT realizado por liberais. Daí para a frente, passei a aprofundar-me no liberalismo, mas sem deixar de estudar outros assuntos, porque mesmo o liberalismo, quando vira doutrina, é ruim.

O que é o paradigma do gay de esquerda? Em entrevista concedida ao filósofo Luiz Felipe Pondé, o senhor afirma querer romper com essa ideia.

O Brasil nunca teve uma direita, muito menos um pensamento liberal. A esquerda, por sua vez, recebeu uma lição histórica: quando os proletários deixam de ser coitados, saem do movimento socialista. Por isso, os coletivismos de esquerda passaram a recolher todos os marginalizados, de maneira que sempre tivessem nas mãos uma classe de oprimidos. O coletivismo é ruim, porque tem donos: o símbolo, a doutrina, o pensamento. Então, o paradigma do gay de esquerda é o sujeito que se entrega à militância cegamente, doutrinariamente. Por mais “groselhas” que a militância de esquerda possa falar sobre o assunto, existe aderência dos gays aos movimentos marxistas, impedindo-os de se levantarem contra determinadas pautas.

Quando os socialistas passaram a aglutinar grupos de marginalizados, os homossexuais acabaram por encontrar pronunciamentos em favor dos gays. Bastou o discurso para que o movimento marxista se transformasse em dono de coletivos homossexuais. O coletivo possui ideias interessantes, preocupações legítimas, mas também há proposições que servem tão somente para atrapalhar o atingimento do objetivo de pautas legítimas. Por que isso ocorre? Porque, se a ideia legítima é resolvida, o coletivo acaba — e o marxismo aprendeu que não pode deixar o oprimido livre, pois perderá o coletivo. O paradigma do gay de esquerda é coletivista, sufoca o individualismo e valoriza a igualdade, enquanto a luta real dos homossexuais é pela liberdade. É com essa ideia que eu quis romper ao assumir-me homossexual de direita.

Atualmente, a esquerda se apropria de pautas caras aos movimentos civis LGBT?

Hoje, todos os segmentos possuem, exceto os grupos religiosos, preocupação com a questão da diversidade. A esquerda, historicamente, sempre aparelhou coletivos. No entanto, o primeiro grupo partidário aos gays no Brasil, oficialmente, foi o PSDB. Nós éramos vistos, pelos homossexuais que participavam ativamente de grupos do PT e outros partidos de esquerda, como homossexuais de direita. Os grupos de gays radicais, ligados às esquerdas, ficaram espantados, pois foi o movimento de gays mais à direita que conseguiu criar uma estrutura no principal Estado do país e ainda estabelecer um diretório dentro de um partido de relevância nacional, como o PSDB. Entretanto, isso não tira dos partidos de esquerda a preocupação legítima com questões como homofobia e casamento igualitário. Ocorre, porém, que eles abraçam tantas pautas absurdas que acabam por prejudicar pensamentos legítimos. Se avançássemos na questão da homofobia e transexualidade de maneira séria, baseados nas respostas sólidas fornecidas pela psiquiatria e pela medicina, e não focássemos temas como ideologia de gênero e não binariedade, cujos argumentos científicos inexistem, deixaríamos de alimentar o ódio de grupos mais reacionários.

“Não há lugar, neste país, para gente que pensa”

Existe, ainda, algum tipo de patrulhamento ideológico do mainstream progressista sobre as preferências políticas dos homossexuais?

O patrulhamento ideológico é a tônica da sociedade. Essa situação só piorou com as mídias sociais, porque as pessoas encontram indivíduos que comungam da mesma estupidez e formam grupos que se retroalimentam de vaidade e se defendem mutuamente. Existe patrulhamento ideológico para tudo: hoje, se você não é Bolsonaro, é Lula. Se não é Lula, é Bolsonaro. As pessoas ficaram cada vez mais binárias, ou seja, não pensam em tons de cores — ou é preto, ou é branco. Na última eleição presidencial, o homossexual que não votasse no PT era — vamos usar sacrilegamente um termo católico — excomungado da comunidade gay, que nada tem de comunidade. Nós éramos ejetados automaticamente, bastava dizer que não votaríamos no PT. Existe, sim, patrulhamento ideológico no mainstream progressista sobre as preferências políticas dos homossexuais. Da mesma maneira, o homossexual que continua altivo, lutando por um liberalismo que não existe no Brasil, também é patrulhado pela direita. Não há lugar, neste país, para gente que pensa.

Como é ser anticomunista, liberal, cristão e gay no Brasil? O senhor faz parte de uma “minoria”, sobretudo no âmbito político e acadêmico.

Se eu não fosse um profissional liberal bem-sucedido e precisasse encontrar lugares para dar aulas, estaria morrendo de fome. Faço parte de uma minoria, obviamente. Primeiro, por ser homossexual; segundo, por ser liberal — e nós não temos liberais no Brasil, porque nossa direita é tão coletivista quanto a esquerda. O liberal é aquele que respeita o indivíduo, reconhece humanidade e divindade no indivíduo. Reconhece no indivíduo um irmão e, ao mesmo tempo, um oponente. Quer ter sua individualidade respeitada, bem como respeitar a individualidade do outro — essa é a moral liberal.

Existem injustiças, sim. O Brasil é um país com desigualdades econômicas e sociais, nada é capaz de apagar essa triste realidade. No entanto, o problema é a esquerda querer formatar o pensamento de todos que estão nessa situação desvantajosa, de modo a criar sectos e cidadãos programados. Você sufoca a individualidade. A partir do momento em que penso ser o comunismo uma utopia fracassada, sem perspectiva de êxito e que só pode começar um processo de estruturação social por meio da supressão da liberdade, posiciono-me como anticomunista. Aí, a esquerda já me olha com desconfiança. Por ser gay e anticomunista, qualificam-me como homossexual homofóbico, como acusou Jean Wyllys. Ao mesmo tempo, a direita também me rechaça. Faço parte de uma minoria que anda no meio desses dois grupos que tentam nos massacrar.

De que maneira o senhor explicaria, para um calouro universitário, que ser gay e ser de direita são coisas compatíveis?

A diversidade tem mais a ver com liberdade, menos com igualdade. Até por questão semântica: o que é diverso não é igual. E não precisa ser igual para ser humano. O ser humano é um animal antinatural. A gente não pode viver só com a própria pele, como vivem os animais. A gente é, ao mesmo tempo, criatura e criador. O ser humano é estranho, e só pode ser estranho e diverso aquele que é livre. O gay de esquerda é duplamente enganado: primeiro, estrategicamente enganado, por permitir que pautas ilegítimas sejam inseridas nas pautas legítimas, de modo que nenhuma seja resolvida. Segundo, por pregar a diversidade na cultura da igualdade, quando a diversidade só triunfa na liberdade. E só existe liberdade num sistema que respeita, valoriza e leva a sério o indivíduo. Por essa razão é compatível intelectualmente e logicamente ser gay de direita, mas não de esquerda.

O senhor posiciona-se contra o politicamente correto. Por quais razões, efetivamente, essa ideia é nociva?

O politicamente correto surge como uma investida para tolher a linguagem, para tirar o problema da realidade do solo e levá-lo ao ar, para o campo da ideia. Trata-se de um atraso na luta contra verdadeiros problemas. Quando invento que o problema real só pode ser trabalhado depois de sanar o problema da linguagem, já estou postergando a dor de quem sofre. Trata-se de um símbolo, uma bobagem.

O senhor é crítico ferrenho da Constituição Federal de 1988. Quais são os principais problemas?

Se você me acha ferrenho crítico da Constituição Federal de 1988, precisa ler a obra de Roberto Campos, que é devastadora. Na época em que a Constituição foi criada, tínhamos uma Assembleia Constituinte com interesses díspares. Se não fosse a habilidade de Ulysses Guimarães em abarcar todos os desejos, não teríamos tido sequer uma nova Constituição. A Carta de 1988 sacramenta o fim do regime militar e o início da democracia brasileira. Ela tinha um peso significativo; por isso, precisava ser aprovada.

Minha grande crítica à Constituição é: ela garante muitas coisas, mas não diz de quem é o dever de garanti-las. Trata-se de uma crítica puramente jurídica. Na melhor filosofia do direito, a de Norberto Bobbio, a gente entende que não existe direito sem dever, da mesma maneira que não existem filhos sem pai. Antes de um direito há um dever, e é assim que garantias fundamentais, como a propriedade, nascem como deveres. É dever do rei não tomar a propriedade do súdito, e a partir daí o súdito tem direito de propriedade.

De toda maneira, temos uma Constituição arrojada. Se estivéssemos em um país com economia equilibrada e sem desigualdade social, a Constituição seria arrojadíssima. O fato, no entanto, é que a Carta é um motor muito sofisticado para uma lataria tão velha quanto o “carro” brasileiro. A boa Constituição é enxuta, deve ter poucos assuntos, os essenciais.

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Edilson Salgueiro, Revista Oeste