Os bancões vão ter de rebolar para fazer frente às inovações tecnológicas e financeiras que o mercado está criando
Fintech é a abreviação de “financial technology”, ou tecnologia financeira. Sua forma mais primitiva surgiu no final dos anos 1980. Depois de ler 200 livros a respeito, Patrick Schueffel definiu com simplicidade a fintech, em 2017, como uma “nova indústria financeira que usa a tecnologia para aperfeiçoar as atividades financeiras”. Ou, na interpretação mais elaborada de Kelvin Leong e Anna Sung no ano seguinte, “toda ideia inovadora que aperfeiçoa os processos do serviço financeiro ao propor soluções tecnológicas de acordo com diferentes situações de negócios”.
A explosão das fintechs tem a ver com a pandemia da covid-19? Sim, claro. Quem quer continuar frequentando agências de banco? Mas a pandemia foi apenas o gatilho para um fenômeno que esperava o momento certo para explodir. As fintechs são também fruto de fatores tecnológicos, como inteligência artificial, evolução do big data, processos de automação robótica e blockchain. Além de smartphones e redes cada vez melhores de internet, claro.
Sufocado pela cultura da burocracia, o Brasil virou um terreno fértil para fintechs. De certa forma elas combinam (positivamente) com nossa cultura do “jeitinho”. Em 2017, a Goldman Sachs lançou um relatório de 44 páginas alertando investidores globais de que nosso país (que já tinha 200 fintechs na época) poderia virar uma potência nessa área. Em menos de três anos, o número de empresas foi para 771. O estudo da Goldman Sachs citava a bizarra “estrutura oligopolista do mercado” brasileiro, com 84% do sistema bancário nas mãos de cinco instituições. Nos Estados Unidos, os cinco maiores bancos tinham apenas 20% de todas as filiais.
Os bancos tradicionais estão tendo de rebolar. Muitos dos seus rituais, pompas, agências e quadros de funcionários estão encolhendo. As fintechs rapidamente conquistam terreno diante dos “bancões”. No C6, por exemplo, criado em outubro de 2018, você consegue (dependendo das condições) abrir sua conta em vinte minutos. E pode fazer isso a qualquer hora, em casa. Resultado: antes de completar seu primeiro aniversário, o C6 tinha 200 mil clientes. No segundo aniversário, esse número havia se multiplicado por 10. O pioneiro Nubank tem dez vezes isso: 20 milhões de clientes. Por outro lado, segundo o site Fintech Brasil, a receita dos quatro maiores bancos tradicionais (Itaú, Santander, Banco do Brasil e Bradesco) caiu 23% em 12 meses.
O J. P. Morgan e a SurveyMonkey divulgaram em janeiro deste ano uma pesquisa que revela alguns dados significativos sobre toda essa mudança no Brasil.
- Os três piores bancos em matéria de NPS (ou grau de satisfação) são Banco do Brasil, Bradesco e Itaú. Os três melhores são Inter, Nubank e PagBank.
- Praticamente metade dos pesquisados pretende ter duas ou três contas em bancos. 19% já aceitam ser clientes de mais de três bancos. A expressão “meu banco” está acabando.
- Nenhuma das grandes instituições chega a ter mais da metade dos clientes com menos de 35 anos. No Nubank e no PagBank essa faixa de idade reúne respectivamente 64% e 68% dos clientes. Má notícia para os “bancões”. Sua clientela está envelhecendo.
- Qual a razão para você considerar um banco seu “principal”? Essa razão já foi a credibilidade da instituição. Hoje, essa característica atrai apenas 28,4% dos clientes. A ausência de taxas (característica forte das fintechs) já está praticamente empatada como razão para a preferência, com 27,5% dos pesquisados.
- Mais de metade (54,4%) dos usuários de bancos abriu contas em 2020 em fintechs.
- O número de clientes que não se importam com a existência de agências bancárias (30,5%) está se aproximando da fatia que acha as agências necessárias (38%).
Diferentemente do modelo banco faz-tudo, as fintechs podem oferecer serviços específicos e com foco em clientes com necessidades únicas. A lista dos que oferecem crédito com pouca burocracia está crescendo: Original, biz, bxblue, Rebel, Creditas, FinanZero, Noverde, Neon, meutudo., IOUU, Nexoos, Click Cash, Blu365, Ali Crédito, e a lista vai longe.
O Z1 atrai clientes entre 13 e 18 anos. Aprendem educação financeira usando cartões de débito, com os quais não podem se endividar. O Tindin vai mais fundo, e ensina crianças ainda mais novas a administrar seu dinheiro por meio de games.
As fintechs não são apenas bancos modernos. Elas estão se multiplicando em serviços cada vez mais específicos usando o mesmo princípio de simplificar e baratear todos os processos. Hoje existem fintechs (como a Pier e a Pitzi) que se dedicam a oferecer seguros de carros e celulares. Outras oferecem aplicativos de investimentos (Warren, Easynvest, Nelogica, Trade Machine).
Alguns exemplos, escolhidos como casos de sucesso de fintechs brasileiras pela revista britânica Daily Finance:
Quinto Andar — Aluguel de imóveis sem fiador, seguro, fiança ou depósito.
Contabilizei — Serviços de contabilidade a distância a partir de R$ 89 mensais.
Aracar — Apoio a revendedores de veículos.
Matera, Zoop e Swap — Assessoria na criação de novas fintechs.
Melhor Câmbio — Compra e venda de moedas, envio ou recebimento de valores do exterior.
Mark 2 Market — Serviços de tesouraria.
Magnetis, Alymenta — Administram previdência privada para funcionários de pequenas empresas.
Avante — Apoio para a gestão de salões, clínicas, barbearias, empresas de alimento, ambulantes, pet shops.
Facio, Allya — “Bem-estar” financeiro para os funcionários de uma empresa.
Conta Azul, codemoney, BeeTech, SmartMei, Nibo, payleven, Gorila Hash, Concil — Aplicativos para gestão de pequenos negócios.
Dinasty, NovaDAX, Mercado Bitcoin, Atlas Quantum, foxbit — Operações com criptomoedas.
TerraMagna, RuralPago, Nagro — Crédito para o agronegócio.
Solfacil — Financiamento de sistemas de energia solar.
Smartbill RBM — Administra assinaturas de publicações, streaming, aplicativos etc.
Provi — Crédito para educação.
Ribon — Planejamento e marketing de caridade e “causas sociais”.
Bloxs, Abacashi, Kria — Aproxima de investidores pessoas com projetos em potencial e vice-versa.
HerMoney — Assessoria a mulheres empreendedoras.
Contrariando as profecias de Karl Marx, o capitalismo está se reinventando. Fica mais popular, mais prático, mais acessível. Na “velha ordem”, um pipoqueiro não podia nem parar na porta de um banco. Hoje existem fintechs que oferecem crédito a qualquer tipo de empreendedor, incluindo pipoqueiros.
Por causa dessa fragmentação e eficiência, o papel do Estado como “fomentador” da economia vai ficando menor. Quanto menor a promiscuidade entre Estado e empresas, menor o risco de corrupção. E, quanto mais independentes do Estado, mais essas empresas vão prosperar com responsabilidade, alimentando a atividade econômica.
O que nos leva à Estônia, onde o governo atua por meio de aplicativos, sem burocracia, e com mínimo contato pessoal. Funciona, do berço ao túmulo de cada cidadão. Enxuto, o aparelho do Estado exige carga baixa de taxas e impostos.
Muitas batalhas terão de ser travadas, muitas resistências deverão ser vencidas. Mas o sonho está aí, acontecendo: o dia em que nossas administrações públicas serão ágeis, práticas, eficientes e baratas como uma dessas fintechs.
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Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de Se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.
Revista Oeste