O empresário Walace Sampaio explicou as ações do movimento que pede o fim do lockdown e a reabertura do comércio
Em 21 de março de 2020, o então prefeito de Bauru, Clodoaldo Gazzetta (PSDB), decretou oficialmente estado de emergência no município. Sob a justificativa de conter o avanço da covid-19, o tucano proibiu o funcionamento de igrejas, escolas, bares, cinemas, academias, casas noturnas, teatros, museus, centros culturais e bibliotecas. “É uma medida de prevenção. Trata-se de uma decisão difícil, mas necessária. Não há razão para pânico, estamos tomando medida de prevenção”, afirmara Gazzetta, na ocasião.
Desde então, a cidade localizada no interior de São Paulo ainda não neutralizou os efeitos destrutivos da peste chinesa na saúde da população, tampouco recuperou-se do baque econômico decorrente da inatividade do comércio. Segundo estudo realizado pela Associação Comercial e Industrial de Bauru (Acib), das cerca de 15 mil empresas existentes no município, ao menos 3 mil fecharam ou estão em processo de fechamento devido à pandemia. Estima-se que o Produto Interno Bruto (PIB) local tenha encolhido 9% em 2020, algo próximo a R$ 1 bilhão.
Nesse cenário funesto surge o empresário Walace Sampaio, de 71 anos. Recentemente, ele ausentou-se da presidência do Sindicato do Comércio Varejista de Bauru e Região (Sincomércio) para dedicar-se ao movimento Reage SP, fundado em Bauru com o propósito de dar apoio jurídico e suporte na articulação política a quem deseja manter sua empresa em funcionamento. “O objetivo é dar um basta ao lockdown imposto às nossas empresas sem nenhuma contrapartida do Estado, que simplesmente determina a proibição do direito fundamental ao trabalho assegurado pela Constituição”, afirma o empresário.
Em entrevista concedida a Oeste, Walace Sampaio explica detalhadamente a atuação do Reage SP no acolhimento aos comerciantes esquecidos pelo governo do Estado de São Paulo.
1 — O primeiro decreto ordenando o fechamento de estabelecimentos comerciais em Bauru remonta a março de 2020. Desde então, quais consequências recaíram sobre o município?
Nós assistimos ao fechamento de muitas empresas. O comércio, assim como a sociedade, também foi atingido pelo clima de terror imposto pelo governo do Estado de São Paulo. Essas medidas [restritivas] dizimaram os microempresários, os pequenos empreendedores e o comércio informal. Já são mais de 3 mil empresas fechadas — esse número é absurdo. No início da pandemia, vários comerciantes colaboraram com o Reage SP, doando cestas básicas às pessoas em situação de vulnerabilidade. Hoje, esses mesmos comerciantes estão na fila para receber alimentos. De colaboradores, passaram a ser beneficiários. É um drama com o qual convivemos todos os dias. Os empresários que fecham suas portas passam a ser invisíveis, ninguém os conhece mais.
2 — Qual é o objetivo do movimento Reage SP?
A gente propõe mudança de postura em relação ao comércio, assumindo declaradamente que somos contra o lockdown, especialmente porque não há contrapartida alguma do governo do Estado. Quando os países ao redor do mundo adotam medidas restritivas, os governos oferecem suporte às empresas, de maneira que elas consigam sustentar-se durante o período da pandemia de covid-19. Já esse lockdown irresponsável é invenção de São Paulo, que desde o início determina o fechamento do comércio — e danem-se os empresários. O Reage SP surgiu para combater essas mazelas, para dar voz aos empresários que atuam nas diversas modalidades de comércio: bares, restaurantes, lojas, shoppings. O objetivo é pressionar o governo do Estado de São Paulo. Hoje, com felicidade, observamos grandes empresas e instituições tendo a mesma postura contestatória que nós temos. As entidades estão perdendo o medo de enfrentar João Doria.
3 — A população local aprova os ideais do movimento?
Nós temos a população de Bauru dividida em três partes: um terço de pessoas que nos apoia — empresários, comerciantes e sindicatos comerciários; um terço que fica ao sabor da opinião pública, com postura mais oscilante; e um terço que é contra nossas ideias. Esse último grupo é constituído de funcionários públicos — trabalham no Judiciário, Executivo e Legislativo. A prefeitura tem mais de 5 mil funcionários ativos; há também, a Universidade Estadual Paulista (Unesp) e a Universidade de São Paulo (USP). Então, os funcionários dessas instituições, que recebem salário pago pelo nosso dinheiro [dos pagadores de impostos] e têm estabilidade, pedem o fechamento do comércio. Eles querem os estabelecimentos fechados? Não, querem apenas que a repartição da qual eles fazem parte também pare de funcionar.
4 — Quais medidas foram adotadas pelo ex-prefeito de Bauru Clodoaldo Gazzeta e pela atual mandatária, Suéllen Rosim, no acolhimento às empresas da região?
Clodoaldo Gazzeta era inteiramente fechado com o governo do Estado de São Paulo, não admitia nada. Posava exatamente como João Doria, proferindo discursos de salvador de vidas, mas não atentou para o mal que fazia para a cidade. Bauru é uma cidade tipicamente comercial — 70% da renda do município se deve ao comércio. A gestão de Clodoaldo Gazzeta foi irrigada por recursos federais, mais de R$ 60 milhões foram recebidos em 2020. Então, em virtude desse suporte, os estabelecimentos ficaram fechados. Por isso, fizemos campanha contra o prefeito e, no fim, ele foi cassado pelas urnas. A Suéllen Rosim, entretanto, assumiu a prefeitura de Bauru adotando discurso similar ao do Reage SP. Ela é, teoricamente, contra o lockdown. No início de seu mandato, o comércio de Bauru funcionou perfeitamente, até 8 de fevereiro de 2021, por meio de decretos municipais. Então, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) suspendeu os decretos, declarando-os inconstitucionais. A prefeitura de Bauru foi obrigada a seguir o Plano São Paulo [que restringe severamente o funcionamento do comércio]. Desde então, nós temos criticado a prefeita porque, embora ela profira discursos contra o lockdown, na prática, não os transforma em atitudes.
5 — O governo do Estado de São Paulo, bem como o Executivo federal e o Judiciário, prestaram suporte financeiro, jurídico ou político a Bauru?
Nos primeiros seis meses da pandemia, várias linhas de crédito foram proporcionadas pelo governo federal. Na época, a medida contribuiu para desafogar a economia de Bauru. Desde então, não houve ajuda do Executivo federal. Do governo do Estado de São Paulo, porém, nós não tivemos absolutamente nenhuma ajuda, a não ser um bando de mentiras. Não chegou dinheiro público algum, nem um centavo, em apoio às empresas de Bauru. Não recebemos nada do município, também. O grande mal que o governo do Estado e prefeituras fizeram foi a manutenção, durante toda a pandemia, do comércio fechado, como se os estabelecimentos fossem os responsáveis pela disseminação da covid-19. O verdadeiro foco de transmissão do coronavírus é o transporte público, em que claramente não há distanciamento social. Certamente há interesses escusos por trás das medidas restritivas impostas pelo governador de São Paulo, João Doria. A cada lockdown, o consumidor está sendo empurrado para as plataformas de comércio eletrônico. O grande objetivo por trás disso é sufocar as empresas — é uma medida intencional, não é por acaso.
O governador é empresário, sabe como ganhar dinheiro com empreendimentos. Noventa porcento do comércio é constituído de micro e pequenas empresas, com participação pequena na arrecadação de tributos para o governo do Estado. Então, Doria está trocando a base de comércio, do pessoal para o eletrônico, para arrecadar maiores quantidades de dinheiro. No comércio eletrônico, a tributação do ICMS é plena, de fácil controle pelo Estado e com resposta rápida ao aumento de tributos havido em fevereiro. Já o micro e pequeno empresários, ora, danem-se, não é problema do governador. Afinal, eles fazem o recolhimento pelo Simples [regime tributário simplificado e exclusivo para micro e pequenas empresas], de valor marginal para o Estado. Foi implantado, em São Paulo, um regime totalitário — só não vê quem não quer. O Legislativo é completamente submisso ao governo, não faz nada. O Tribunal de Justiça de São Paulo é uma vergonha; ele simplesmente chancela qualquer decisão do governador João Doria. Se o Executivo abafa os poderes Legislativo e Judiciário, o que nós temos? Um regime totalitário.
Edilson Salgueiro, Revista Oeste