quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

"Trump e a censura das redes sociais: uma péssima notícia para a civilização - e para a esquerda", por Juan Ramón Rallo

 A medida irá apenas fragmentar as ideologias das redes sociais

Permita-me começar com uma proposição controversa: o Twitter possui o direito de suspender permanentemente a conta de Donald Trump.

Quem mantém uma conta nesta rede social não emite opiniões no vazio, mas sim dentro de uma plataforma que é propriedade privada. Tal propriedade é fornecida ao público, mas é gerenciada internamente pelo Twitter. Na sua casa, suas regras.

Ninguém tem o "direito" de ter uma conta no Twitter à margem das condições e dos critérios fixados pela empresa que é proprietária, fornecedora e gestora da rede social.

A propriedade privada e a livre iniciativa, em suma, amparam a auto-regulação que visa a bloquear aqueles perfis que, por diversas razões subjetivas, são considerados incompatíveis com a missão da plataforma.

Tendo tudo isso em mente, afirmo: foi uma péssima notícia — para o mundo e principalmente para a própria esquerda — que o Twitter tenha optado por suspender a conta de Trump.

E foi uma péssima notícia não porque Trump seja o presidente dos Estados Unidos (algo que é absolutamente irrelevante para se julgar a decisão do Twitter). E não porque creio que as ideias políticas, sociais ou econômicas de Trump merecem ser ouvidas por todos os confins do mundo. E não porque creio que a atitude do Twitter nos aproxime de uma espécie de comunismo censor chinês administrado por uma Big Tech privada. 

Foi uma péssima notícia porque a medida inaugura uma tendência muito perigosa nas redes sociais: a compartimentalização ideológica.

Câmara de ressonância

Uma das maiores críticas feitas até o momento contra as redes sociais é que elas criam um efeito do tipo "câmara de eco": as pessoas somente seguem, leem e escutam aquelas outras pessoas que seguem sua mesma linha ideológica, e, consequentemente, não se expõem a ideias distintas que contrariem seus conceitos. 

Ou seja, as pessoas apenas buscam reforçar aquilo que já pensam, mesmo que seja por meio de "fake news", as quais raramente são desmentidas dentro dessa câmara de ressonância de pensamentos homogêneos e acríticos.

Este sectarismo explicaria, segundo a própria esquerda, a ascensão da chamada "extrema-direita", ao permitir que os cidadãos predispostos à sua mensagem somente recebam informações de seus congêneres ideológicos e midiáticos.

No entanto, embora esta seja uma crítica corriqueira às redes sociais, isso não significa que seja uma crítica correta. As evidências mostram que o efeito "câmara de ressonância" é sensivelmente menor nas redes sociais do que em outros formatos de trocas de informações políticas, como a mídia tradicional ou mesmo as meras conversas entre amigos ideologicamente próximos. Nestas, o efeito ressonância é muito maior, pois as dissidências permitidas são muito menores.

Com efeito, as redes sociais podem acabar por expor os usuários a opiniões contrárias às suas, e de maneira involuntária: os retuítes, as publicações sugeridas, os compartilhamentos ou os debates abertos constituem uma janela que conecta pessoas de ideologias muito diversas. 

No entanto, para que isso ocorra, todos os usuários têm de integrar uma mesma rede social.

Quanto mais isolamento, menor a difusão

A expulsão de Trump pelo Twitter ameaça fragmentar as redes sociais de acordo com as ideologias. 

Muitos seguidores de Trump anunciaram que deixarão de utilizar o Twitter e passarão a usar o Parler ou o Gab — uma reação perfeitamente lícita perante a decisão igualmente lícita do Twitter de fechar a conta de Trump.

(Parêntese: Amazon, Apple e Google suspenderam o acesso ao Parler, o que mostra que realmente estão desesperados. Mas isso é reversível judicialmente, pois houve uma explícita quebra de contrato. Na "pior" das hipóteses, novas plataformas podem ser criadas por empreendedores. Se uma pessoa como Elon Musk anunciar uma nova plataforma, certamente metade do mundo migraria para ela).

O fato é que o efeito desta possível migração em massa será que, no Twitter, haverá cada vez menos pessoas "de direita", ao passo que Parler, Gab e futuras outras redes estarão repletas de direitistas. Ou seja, o Twitter irá se tornar cada vez menos interessante para pessoas de direita, e Parler, Gab e outras plataformas não serão nada atrativos para pessoas de esquerda.

Consequentemente, se cada tribo ideológica se isolar em sua própria rede social, a comunicação (e o debate) entre tribos irá se extinguir. O debate estará terminado.

Neste arranjo, aí sim todos de fato estariam em câmaras de eco perfeitas, as quais apenas reforçariam a ideologia própria sem contestação por parte de outros ideologias (uma espécie de "espaço seguro" virtual).

Logo, se a intenção da esquerda era evitar que as pessoas se convertessem a ideologias que ela considera "radicais", o banimento de perfis do Twitter irá gerar o efeito exatamente oposto: ao irem para outras plataformas, e ao não mais estarem expostas a ideias contraditórias, as pessoas poderão ainda mais facilmente ser "doutrinadas" por essas ideologias "radicais".

Se o Twitter estivesse realmente preocupado com as "implicações violentas" que os tuítes de Trump supostamente estavam estimulando, bastava apenas submetê-los a um sistema de supervisão e aprovação prévia em vez de abolir uma conta com mais de 80 milhões de seguidores. Havendo outras opções, a suspensão deveria ser algo totalmente de última instância.

No final, a atitude do Twitter — cujo CEO declarou abertamente se tratar de uma plataforma de esquerda — foi simplesmente uma admissão de derrota no debate ideológico. "Se não podemos vencer com argumentos, venceremos pela remoção física."

Ainda que a suspensão de Trump acabe não gerando uma migração maciça de usuários de direita para outras plataformas, o fato é que o Twitter se institucionaliza como uma "plataforma esquerdista" (o que, vale repetir, vai ao encontro das ideias de seus proprietários e funcionários) e censuradora, que suspende cada vez mais contas direitistas por temer o debate aberto.

Consequentemente, e por necessidade, acabaremos por presenciar o divórcio, e cada vez mais pessoas migrarão para redes alternativas. E então o debate franco e aberto, tão defendido pela esquerda em nome da "liberdade de expressão", terá sido exterminado exatamente por ela.

É o debate que faz a civilização

Para que uma sociedade progrida intelectualmente, o choque de ideias é fundamental em todos os níveis, principalmente entre as massas. Expressar-se livremente é o mecanismo por meio do qual o ser humano mantém a sociedade funcionando.

É em decorrência da liberdade de expressão e da capacidade de articular idéias que as pessoas conseguem apontar problemas, explicá-los, solucioná-los e tentar chegar a um consenso.

O debate aberto e sem censura é exatamente o que evita a predominância do "pensamento de manada", garantindo uma voz para os grupos mais marginalizados e excluídos — os quais, em tese, são o alvo da preocupação da esquerda.

Assim, a batalha e a competição intelectual nos proporcionam ao menos a opção de que as boas ideias derrotem as más. A esquerda, no entanto, parece ter admitido derrota neste aspecto.

Já a compartimentalização ideológica serve apenas para consolidar as ideias ruins em amplos setores da população (ainda que certamente também possa proteger terceiros de serem intoxicados por más ideias).

E para que essa batalha de ideias e essa competição intelectual possam ocorrer, é necessário diminuir (e não aumentar) os custos de comunicação entre ideias heterogêneas. Expulsar Trump — e outros possíveis "direitistas" do Twitter não só não facilita, como, na realidade, dificulta o diálogo entre ideologias.

Isso é uma péssima notícia para a civilização.

E o fato de a esquerda ter em peso comemorado essa decisão significa apenas uma admissão explícita de derrota na seara do debate público.



Juan Ramón Rallo
é diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.  É o autor do livro Los Errores de la Vieja Economía.

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