Essa é a mensagem diária que aparece a cada intervalo de filme, documentário e seriado infantil.
Olhando superficialmente, a chamada parece cuidadosa, responsável e merecedora de crédito. Mas quem acredita que a mídia está preocupada com você?
Os narcísicos acreditam!
Não podemos pensar em narcisismo sem nos remetermos àquela clássica imagem do jovem bonito que entra numa floresta, avista um lago e que, ao se aproximar de sua margem e ver a sua imagem refletida nas águas, sente-se extasiado com a sua própria formosura.
Vamos fazer uma analogia do mito com a realidade atual.
A floresta seria o meio social e o lago, o interesse individual. Narciso, ao se ver espelhado pelas águas, cega-se a tudo o que existe ao seu redor. Não ouve, não escuta, não enxerga nada além de sua beleza, o seu único e fatal interesse.
Vivemos numa sociedade narcísica que, apartada das situações adversas de sua comunidade, brada aos quatro ventos que os egoístas não se preocupam com vidas humanas, que saem de casa pouco se importando se vão contaminar os seus amigos, vizinhos e entes queridos. Exprimem a sua indignação com tanta ênfase que chega a convencer aquelas pessoas que titubeiam diante de tanta desinformação ou informação viciada.
O mais interessante é que, de fato, o discurso apregoado é tentador pois a causa é nobre e chega a parecer justa.
O problema é que, ao enxergar apenas uma única imagem no lago, o detentor da bandeira do cuidado social não consegue retirar o olhar de si mesmo e imaginar que existem outros rostos que perambulam pela floresta sem serem vistos, desolados pelo desemprego e famintos por um prato de comida.
Quem nunca pisou numa favela ou nunca trabalhou com pessoas carentes não consegue imaginar que pessoas pobres, paupérrimas, existem. Elas podem até ter um alcance da pobreza, mas apenas aquela que serve para justificar as suas doações esporádicas que aliviam a culpa por tamanha desigualdade social.
Com Narciso não há diálogo, ele só escuta, ouve e enxerga a si mesmo. Se ele diz que você tem que ficar em casa, caso não obedeça, você é o mal que leva o mal aos seres do bem.
Ele não consegue atingir o patamar de vivência horrorosa em que o outro vive; a feiura miserável é apenas um detalhe, está longe do alcance das águas de seu lago.
Já sabíamos que vivíamos numa sociedade narcísica, porém, com a chegada da doença externa, escancarou-se a doença interna. O vírus narcísico do indivíduo se espalhou pela família, contaminou a comunidade e atingiu toda uma sociedade.
A peste narcisista é uma doença que mata muito mais que pneumonia.
Uma sociedade doentia que, no conforto de sua poltrona, ao lado de seu Puppy Dog, condena os vira-latas que perambulam pela floresta cheia de pulgas.
Nara Resende
Psicóloga clínica de adolescentes e adultos, escritora de Divã com poesia, Freud Inverso e organizadora do livro O jovem psicólogo e a clínica
Jornal da Cidade