Analistas Leandro Mello Frota e Josabette Gomes afirmam que inquérito das fake news tornou-se forte instrumento de revide político
O inquérito 4781, mais conhecido como inquérito das fake news, alvoroçou o Brasil após ser aberto pelo presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, em 14 de março de 2019, para investigar ataques e supostos atentados contra a corte e seus ministros. Ainda naquele ano, essa investigação mostrou ter 1001 utilidades ao censurar a revista Crusoé por uma suposta mentira posteriormente comprovada como verdade por documentos oficiais e permitir busca e apreensão policial na casa de investigados. Um general da reserva do Exército entre eles.
Mais recentemente, o relator do inquérito, ministro Alexandre de Moraes, determinou novas buscas e apreensões, além da prisão temporária da ativista Sara Winter, por suposta participação em organização criminosa e a inclusão do ministro da Educação Abraham Weintraub.
Mais de um ano depois, uma investigação para apurar, sem a Procuradoria-Geral da República (PGR), a “existência de notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão” tornou-se um forte instrumento de revide político.
Jurisprudência em outras cortes
O inquérito foi aberto com base nos artigos 42 e 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que se referente à polícia da Corte e garante ao seu Presidente o poder para requisitar auxílio de outras autoridades quando necessário (art. 42). O texto informa ainda que, ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal, o Presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro (art. 43), e designará servidores do Tribunal para auxiliar na investigação.
Os artigos tratam de infrações penais ocorridas na sede ou dependências dos tribunais, não sendo necessário recorrer à gramática para explicar o significado de sede e dependência de um edifício. Valendo-se de interpretação sistemática, localiza-se no Regimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) dispositivos idênticos ao do STF.
Consta no Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, que o presidente do Tribunal poderá requisitar o auxílio de outras autoridades, quando necessário (art. 57) e que ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependências do Tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, ou delegará esta atribuição a outro ministro (art. 58). Designará como secretário servidor do Tribunal.
Nos demais casos que que não envolvem autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição, os presidentes de ambos tribunais poderão requisitar a instauração de inquérito à autoridade competente. Pergunta-se então: por que nunca foi aberto um inquérito com a finalidade de censurar ou em que ministros substituam os órgãos de persecução penal pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça?
Ação inédita
O Superior Tribunal de Justiça é formado por 33 ministros, sendo onze da classe de desembargadores, onze juízes e onze escolhidos entre advogados e membros do Ministério Público. Seria impossível que em um número tão elevado de ministros, grande parte pertencente à carreira da magistratura, admitisse a abertura de inquérito fora dos limites das leis, da Constituição e, também, contrário ao próprio regimento interno daquele Tribunal.
O inquérito de que trata o art. 43 do Regimento Interno do STF e o art. 58 do Regimento do STJ visam investigar fatos ocorridos nas dependências desses órgãos. Em uma breve consulta a aulas de direito penal e processo penal, é possível localizar um inquérito em que foi usado o poder de polícia pelo Superior Tribunal de Justiça para investigar possível venda de decisões. Nesse caso, no entanto, houve cumprimento das leis e da Constituição.
Nunca o inquérito tratado pelo regimento interno do Tribunal da Cidadania foi transformado em um verdadeiro inquérito policial, passando a investigar delitos, dentro e fora das dependências dos Tribunais, segundo o arbítrio de um ou dois ministros.
Não bastasse a instalação irregular do inquérito e sua transformação indevida em inquérito para investigar pessoas sem foro penal do STF, o ministro relator ainda o tornou sigiloso para o chefe do Ministério Público da União e para os advogados dos investigados, como se o direito brasileiro permitisse o retorno de processos inquisitoriais – aqueles em que o magistrado prepara a prova que usará no julgamento, menosprezando o fiscal da lei e os defensores.
Ação inconstitucional
De forma urgente, é preciso tornar sem efeito a criação do inquérito 4781 (fake news), visto que os foros por prerrogativa de função são previamente criados ao fato. Não consta na Constituição, em leis ou no Regimento Interno do STF nada que autorize ministros do STF a realizar persecução penal de crime ocorridos dentro e fora do tribunal, substituindo o Ministério Público e juízes de primeira instância.
Também não se pode admitir que provas obtidas em um inquérito esdrúxulo sejam usadas em ações existentes no Tribunal Superior Eleitoral, onde o juiz investigador do dito inquérito é membro efetivo, em afronta ao princípio do devido processo legal, que não admite que o juiz prepare a acusação.
Não se pode, principalmente, permitir que a política se sobreponha ao Direito no órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro. Desse modo, convoca-se, com urgência, uma atuação mais efetiva da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para que este faça valer as prerrogativas dos advogados e, não poderia ser diferente, exigir o respeito às leis e à Constituição Federal.
Da mesma forma, convoca-se os membros do Ministério Público da União e dos Estados para uma luta, não no sentido de discutir a atuação do chefe do Ministério Público, em um inquérito que teve a sua legitimidade questionada pela ex-Procuradora Geral da República Raquel Dodge mas para uma atuação efetiva na defesa da Ordem Jurídica.
*Josabette Gomes – Servidora da Justiça Federal. Pós-Graduada em Ordem Jurídica e Ministério Público.
*Leandro Mello Frota – Advogado especialista em Direito Público. Doutorando pela UFRRJ. Ex Diretor da FUNASA. EX Diretor Jurídico do Instituto Liberal. Diretor da ABRIG.
Revista Oeste