quarta-feira, 17 de junho de 2020

Abril foi o fundo do poço para o comércio no Brasil, dizem economistas

A retomada das atividades econômicas a partir do mês de maio em diversas regiões do país deve amenizar os efeitos das políticas de distanciamento social que levaram o comércio ao pior resultado em 20 anos no mês de abril.
A queda de quase 17% já pode ser considerada o fundo do poço para o setor. No entanto, a recuperação, segundo analistas, será lenta, heterogênea e só ocorrerá se o país não enfrentar uma segunda onda de contaminação pelo coronavírus, que venha a exigir novos fechamentos. Em Porto Alegre, por exemplo, parte do comércio voltou a fechar, assim como no interior de São Paulo.
O Goldman Sachs, em relatório divulgado nesta terça, considera que, passado o péssimo mês de abril, maio deve ser o início de uma inversão na trajetória, saindo do ciclo de resultados negativos para uma melhora discreta.
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Loja de tecidos na região da rua 25 de março, no centro de São Paulo; comércio têxtil
 caiu quase 70% no mês de abril - Rivaldo Gomes/Folhapress
Um dos indicadores citados pelo banco é a elevação na confiança do consumidor. De maio para junho, houve a recuperação de 42% do que se perdeu no início da pandemia. Ainda assim, o banco de investimentos aposta que o Brasil leve mais de um ano para recuperar os níveis pré-pandemia de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto).
No mês mais agudo de encolhimento do comércio –e também o primeiro 100% sob quarentena–, até mesmo os setores essenciais registraram queda.
Hipermercados, supermercados, produtos alimentícios, bebidas e fumo tiveram retração de 11,8% e artigos farmacêuticos, médicos, ortopédicos, de perfumaria e cosméticos, de 17%.
A economista Isabela Tavares, da consultoria Tendências, diz que o resultado reflete uma normalização da demanda, após a alta acentuada no mês de março. Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, considera que os consumidores anteciparam as compras no primeiro mês da pandemia. Agora, esse consumo chegou a um equilíbrio.
Para Otto Nogami, economista do Insper, a queda em supermercados também pode ser um indício dos fechamentos de restaurantes e bares.
"Os donos desses quilos, pratos feitos, pelo movimento pequeno, fazem compras em mercados e atacadões, e isso acaba repercutindo de alguma maneira nessas estatísticas. Na medida que pequenos estabelecimentos alimentares, restaurantes e lanchonetes são fechados, esse movimento impacta o varejo", diz.
Para ele, a flexibilização vai melhorar o comércio, mas não resgatará o padrão de consumo no Brasil, que regrediu mais que uma década. "Vai ter uma pequena melhora, não a ponto de recuperar esse tombo, se acumular esse mês e o passado. Percebemos isso de maneira muito clara. Nosso padrão de consumo, no conjunto, é de 2009, 2010. Retrocedemos."
O economista Rodolpho Tobler, da FGV, diz que o setor de bens essenciais deverá seguir como o aquele a sentir menos o impacto de consumo menor, medo de contaminação e encolhimento da renda. “As famílias estão enfrentando perdas na receita, então vão adiando despesas, tanto pelo medo em relação ao vírus, quanto às incertezas com o momento”, diz.
Ele considera possível um resultado melhor em maio, que não será suficiente para cobrir o tombo do mês anterior. Essa melhora será reflexo da flexibilização das quarentenas, mas também da reorganização das empresas. Muitas das que precisaram parar no início da pandemia já conseguiram voltar às atividades, mesmo que em ritmo menor.
O indicador de confiança do comércio da FGV registrou alta de 6,2 pontos no mês de maio. Tobler, coordenador da sondagem, diz que o resultado, ainda que positivo, parte de um patamar muito baixo. Em abril, a queda no índice de confiança havia sido de 26,9 ponto, atingindo o menor valor da série histórica.
O índice de situação atual medido pela FGV demonstra que nos hiper e supermercados e nos revendedores de bebidas, alimentos e artigo farmacêuticos, a expectativas são um pouco melhores, em maio, em relação à abril (alta de 0,7 ponto). O mesmo indicador recuou 15 pontos nos demais segmentos.
O diretor-executivo da Elo, Eduardo Chedid, diz que o faturamento do varejo na primeira semana de junho e a partir de meados de maior já mostram um resultado similar ao anterior à pandemia. “Isso é bom, mas não é tão bom porque janeiro e fevereiro são períodos de baixo de consumo, então nós estaríamos bem melhor agora”, afirma.
A melhora nos indicadores é puxada justamente pelas compras de itens básicos. Na semana encerrada em 7 de junho, o faturamento com as compras no débito subiu 17%, enquanto as realizadas no crédito seguem negativas, em 11%.
A diferença no comportamento das duas modalidades de pagamento, segundo Chedid, tem relação com a natureza dos gastos que ainda estão sendo feitos. “O débito sofreu menos porque, em geral, a gente usa o débito de maneira mais concentrada nas coisas essenciais, e o crédito mais nos supérfluos, como viagens, turismo e restaurantes”, diz.
Além de supermercados e farmácias, que registraram altas de 41% e 31%, respectivamente, no faturamento, as lojas de materias de construção também começaram o mês de junho saindo do sufoco, com um avanço de 44%.

SUPÉRFLUOS EM QUEDA

O setor de tecidos, vestuário e calçados registro, de março para abril, uma queda 60,6%. "O setor vive, sem dúvidas, o pior período de história, e já houve demissões e fechamento de pontos de vendas em todas as regiões", diz Marcone Tavares, presidente da Ablac (Associação Brasileira de Lojistas de Artefatos e Calçados).
Levantamento da entidade aponta uma queda ainda mais acentuada —de 99,75%— em abril e maio. O setor estima que pelo menos 20% das lojas não devem reabrir, mesmo com a flexibilização.
Fernando Pimentel, presidente da ABIT (Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção), afirma que as empresas precisavam ter maiores garantias do poder público para não fechar as portas. "O que estamos recebendo é muito aquém da necessidade de uma situação pandêmica. Precisamos de um modelo de guerra, que o dinheiro flua em proporção maior do que o que vem sendo apresentado".
Livros, jornais, revistas e papelarias tiveram queda, segundo o IBGE, de 43,4% em abril. Segundo a ANL (Associação Nacional de Livrarias), as lojas não estavam prontas para o comércio online. Segundo Bernardo Gurbanov, presidente da associação, as vendas de livros caíram 30%. "Temos uma preocupação grande com o futuro e pensar em estratégias de sobrevivência", diz.
“Na medida que as pessoas estão em quarentena e procuram ocupar seu tempo, e não procuram livros. Isso mostra um reflexo do que vem sendo a cultura no país", diz Otto Nogami, do Insper. “Achei curioso."

Fernanda Brigatti e Diego Garcia, Folha de São Paulo