sábado, 29 de junho de 2019

Deixem Moro trabalhar, exige juíza Frossard à CCJ da Câmara

Juíza que condenou primeira

 organização mafiosa do País fala

 de vazamento do Intercept: “ser 

imparcial é diferente de ter 

opiniões pessoais”



Denise avisa aos ministros das altas cortes e a quem se diz seu representante no Poder Legislativo, avessos à pressão popular, que, tal como juiz, povo também julga. Foto: Tasso Marcelo/AE
Denise Frossard, a juíza carioca que condenou 14 membros da cúpula do jogo do bicho do Rio em 1993, tornando-se nacionalmente conhecida ainda jovem por esse feito no combate à corrupção, não se exime agora de dar sua opinião a respeito do vazamento do site The Intercept Brasil de prováveis conversas de Moro com procuradores da Lava Jato. Segundo a ex-deputada federal, “até aqui só se sabe que o material apresentado foi criminosamente obtido, portanto, estamos a falar de criminoso ou criminosos. Criminosos buscam sempre o anonimato. Fácil denunciar no anonimato… Quero ver mostrar a cara!”. Protagonista esta semana da série Nêumanne entrevista no Blog do Nêumanne, ela também opinou sobre a votação do recurso do ex-presidente Lula a ser julgado no Supremo Tribunal Federal (STF) em agosto: “A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção. Ser imparcial é diferente de ter opiniões pessoais. Afinal, o juiz também é um ser humano”. Ela não escondeu sua opinião sobre a reação popular contra tribunais que abusam da leniência em crimes contra a corrupção. “O povo é sempre subestimado diante da profusão de notícias com as quais ele é confrontado diariamente.  Mas ele sempre surpreende. Até porque há sempre um contraditório nas publicações e aí ele vai buscando no entrechoque das posições, num processo semelhante ao do juiz, aquela posição que entende mais confiável. Enfim, o povo também julga”, opinou.
Cúpula do jogo do bicho no Rio foi posta no banco dos réus, em 1993, por Denise, e alguns foram agora mantidos na prisão pelo TRF 2. Foto: Otávio Magalhães/AEDenise Frossard foi deputada federal pelo Estado do Rio de Janeiro de 2003 a 2007, vice-presidente da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, membro da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, presidente da Comissão Especial para análise do fim do voto secreto nas votações da Câmara dos Deputados e do Senado e integrante da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios.
Cumpriu missão oficial no Canadá, representando a Câmara de Deputados, a convite do Fórum das Federações, e em Haifa, Israel, a convite desse país, no Encontro Mundial de Mulheres no Poder, dentre outras. Foi embaixadora e operadora da paz, em fevereiro de 2004, nomeada pelo Comitê de Organização Internacional pela Paz no Mundo, em Roma, Itália; negociadora e mantenedora da paz – setembro de 2001 –, no Centre Pearson pour le Maintien de la Paix, em Annapolis Royal, Canadá. Fundou em São Paulo a Transparência Brasil (Transparency International), em 2000; foi presidente nacional do Banco da Mulher, no Rio de Janeiro, em 1999. É membro do Conselho Consultivo do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, em São Paulo, em 1977. Na grand session do World Economic Forum fez, em fevereiro de 1996, palestra sobre “Contrabando nuclear, crime organizado, lavagem de dinheiro e terrorismo, as grandes ameaças do mundo”, em Davos, na Suíça. Atuou como juíza de Direito de 1984 a 1998, sendo magistrada de carreira do Estado do Rio de Janeiro por concurso de provas e títulos. Exerceu a jurisdição também no antigo Tribunal de Alçada Criminal, foi juíza auxiliar da Corregedoria de Justiça, juíza auxiliar da presidência do Tribunal Regional Eleitoral e redatora da Revista de Direito, do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Aposentou-se voluntariamente em 1998, quando era titular da 10.ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. Exerceu a advocacia de 1977 a 1983 na área do Direito Comercial, no Escritório Pinto da Rocha, no Rio de Janeiro. Formada pela Faculdade de Ciências Jurídicas da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro,  em 1976, publicou os seguintes livros: Women and the Mafia – Female Roles in organized Crime Structures, Springer, 2007, edited by Giovanni Fiandaca. First edition: 2003, Dipartimento di Scienze Penalistche e Crimminologiche, Università degli Studi di Palermo, Palermo, Itália; Caminhos da Transparência – O Direito Penal e o Combate à Corrupção, Editora Unicamp, organizado por Bruno Wilhelm Speck. 2002 – diversos artigos publicados em jornais e revistas de Direito, no Brasil e no exterior.
“Ser imparcial é diferente de ter opiniões pessoais. Afinal, o juiz também é um ser humano”, diz Denise em relação a seu colega, Moro. Foto: Acervo pessoal

Nêumanne entrevista Denise Frossard
Nêumanne – O que a levou a reagir de forma tão incisiva, usando seu perfil no Facebook, condenando o crime cometido pelos hackers ainda desconhecidos que invadiram celulares de agentes da lei empenhados no combate à corrupção e denunciando a desídia de seus denunciantes?
Denise Frossard – Inicialmente, posicionei-me em resposta a um post da professora doutora Eliana Cardoso no perfil dela, no Facebook, onde ela coloca o editorial da revista Será?, que cita o respeitadíssimo jurista Modesto Carvalhosa, e ali, com seu costumeiro “ferrinho de dentista”, ele abre o debate parodiando o ministro Luís Roberto Barroso, do STF: A euforia dos corruptos talvez dure pouco”. Um esclarecimento: tanto os posts do perfil da doutora Eliana Cardoso quanto os meus posts são sempre “públicos”. Eu  tenho 5 mil faceamigos e ela também. Alguém leu, gostou e compartilhou a minha resposta e daí viralizou em mensagens via WhatsApp, Tweeter, e-mail e Facebook e então passei a receber inúmeras solicitações de autenticação da autoria do texto. Foram tantas, que resolvi reproduzir na minha timeline o texto, já agora autenticado com essa informação. Respondendo objetivamente à sua pergunta, ao tomar conhecimento do que se tratava – da origem e do teor das “denúncias” -, claro que me subiu uma indignação, primeiro, por se dar voz e espaço à divulgação de matéria oriunda de crime contra órgãos públicos, que para chegarem aonde chegaram se submeteram não só a concurso de provas e títulos, mas também tiveram sua vida pregressa investigada, já que devem gozar de ilibada reputação. São, portanto, órgãos públicos de carreira. Essa é, portanto, a presunção de que gozam, de regra, magistrados e membros do Ministério Público. E a parte contrária? Trata-se de um criminoso ou de criminosos. Até aqui só se sabe que o material apresentado foi criminosamente obtido, portanto, estamos a falar de criminoso ou criminosos.  Criminosos buscam sempre o anonimato. Fácil denunciar no anonimato… Quero ver mostrar a cara!

N – Com experiência reconhecida em sentenciar corruptos, muitos dos quais, antes de sua ação notória, sempre passavam em branco pelas cobranças da lei, a senhora vê como comum, rotineira ou, ao contrário, no mínimo estranha a atitude do site The Intercept Brasil, do ativista americano de esquerda Glenn Greenwald, de vazar seletivamente apenas mensagens com o objetivo de desmoralizar ou fragilizar as investigações das operações que ganharam fama e popularidade exatamente por atingirem figurões da política, das repartições públicas e do empresariado?
DF – A minha experiência no lidar com o crime organizado, do tipo mafioso, que veio inicialmente da minha atuação ainda como uma jovem juíza substituta no julgamento daqueles que são conhecidos como “a cúpula do jogo do bicho” – sendo certo que o processo nada diz com o tal jogo, mas com crimes -, leva-me a considerar que é no caminhar dos atos processuais que o juiz vai formando aos poucos a sua convicção. Essa convicção, portanto, não surge de um insight, de repente, ao final do processo, mas vai se formando a partir de cada ato da instrução do processo de tal sorte que quando se aproxima do final da instrução processual o juiz já tem mais ou menos formada a sua convicção.  No processo que julguei, o primeiro a reconhecer, no Brasil, uma organização criminosa do tipo mafioso, ficou patente que, com a intenção de cometer crimes, a cúpula tinha como instrumento a corrupção, e com esse instrumento buscava transformar em aliado seu principal predador: a polícia. Para o êxito de seus diversos “negócios” criminosos, claro que precisavam do poder público – políticos, funcionários e até mesmo juízes e promotores. Portanto, como ficou comprovado, não se tratava de um poder paralelo – antes fosse –, mas de um poder que se cruzava com o poder  constituído, por meio da moeda da corrupção. Ali estava, pela primeira vez no Brasil, o retrato do “ovo da serpente”. Naturalmente que a força do precedente detonou uma série de reações dos criminosos e daqueles que com eles tinham proximidade, para atingir e quebrar, no caso específico, a mim, enquanto a juíza da causa, e aos promotores capitaneados pelo então procurador-geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, dr. Antonio Carlos Biscaia. Por que não me destituíram da causa? Afinal, como juíza substituta eu era movível de oficio, por ato do presidente do tribunal. Bastaria um ato dele e outro juiz assumiria a condução do processo. Acontece que o presidente do Tribunal de Justiça era o desembargador Antonio Carlos Amorim, que também não cedeu a pressões – e há uma passagem interessante, que me foi contada por ele próprio. Quando o então governador, que o havia escolhido em lista tríplice de advogados para ser desembargador e era seu conterrâneo gaúcho, foi até o gabinete dele e sugeriu que ele deveria afastar-me do processo, o presidente respondeu, num linguajar “gauchês”: ‘Leonel, tu não vens ao meu Palácio dizer como eu devo agir porque eu nunca fui ao teu dizer como tu deves agir”. Hoje, 26 anos depois, os fatos são por demais conhecidos e públicos: tentaram subornar a mim e ao dr. Biscaia; não conseguindo, “plantaram” maledicências a nosso respeito, sempre ao abrigo do anonimato, e não conseguindo destruir-nos dessa forma, tentaram nos matar. Até agora não conseguiram, mas um dos sicários contratado para me matar foi condenado a 20 anos e confessou. É assim  que agem as organizações criminosas ao longo da História e em todo o mundo, com mais ou menos pitadas de sofisticação. Hoje, tem-se ainda à disposição dos criminosos, como no caso que você cita, o uso dos meios digitais. A minha sentença naquele processo pioneiro foi confirmada pelo Tribunal de Justiça, portanto, pelo segundo grau, com o que, se fosse hoje, eles estariam definitivamente condenados, mas naquela época os recursos eram infindáveis e aí… Bom, aí o processo foi para Brasília. Mas há um ditado que diz que “galinha de casa não se corre atrás”. A partir daí foram presos e condenados por outros crimes por várias vezes. Como está acontecendo agora com a Lava Jato. A história se repete.
Denise foi lançada candidata a senadora pelo PPS em cerimônia a que compareceu o candidato do partido a presidente, Ciro Gomes. Foto: Otávio Magalhães/AE
N – É significativo para a senhora que sua posição seja similar à de juristas respeitáveis, como o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal Carlos Velloso e o professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) Modesto Carvalhosa, raros nomes do Direito que não caíram na vala comum de condenar as vítimas desses vazamentos, quais sejam, o ministro da Justiça, Sergio Moro, e os procuradores da Operação Lava Jato, particularmente o coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol?
DF – É natural que tenhamos, o ministro Carlos Velloso, o jurista Carvalhosa e eu, com muita honra para mim, posições e princípios coincidentes. O ministro Velloso foi meu professor quando ele era um jovem juiz federal e sempre um farol de seguro norte na minha vida de magistrada. Portanto, observe-se que Carlos Velloso, embora ministro do Supremo Tribunal Federal, é juiz de carreira. O jurista Modesto Carvalhosa, brilhantíssimo advogado, a seu turno, foi meu colega na criação da organização Transparência Brasil, em 2000, em São Paulo. Foi diante dos escândalos de corrupção advindos da década anterior e envolvendo políticos e órgãos públicos que fundamos a organização não governamental Transparência Brasil, braço da Transparency International, com sede em Berlim, com a qual eu tive contato no World Economic Forum de 1996onde participei de duas sessões, uma presidida pela procuradora Helvética Carla Dal Ponte e a outra presidida pelo Prêmio Nobel Elie Wiesel, acerca de corrupção, crime organizado, lavagem de dinheiro e terrorismo e com vista a ajudar a elaborar um sistema nacional de integridade também no Brasil. Nossas contribuições foram publicadas pela Editora Unicamp em 2002 em livro sob o título Caminhos da Transparência, sendo o organizador o professor doutor Bruno Wilhelm Speck.

N – Em seu texto no Facebook, a senhora levou a conhecimento geral da sociedade brasileira expressões pitorescas da linguagem forense, tais como “despachos auriculares”. Elas agora ganham tom corriqueiro, podendo ser comparadas com o velho “jus sperniandi”, por exemplo. Esse tom coloquial não irritou seus colegas juízes e outros participantes do mundo forense, como procuradores e advogados de defesa?
DF – O tom coloquial que usei no meu post foi intencional, porque ali, no Facebook, o ambiente é informal, permitindo mesmo a um jurista manifestar-se de forma coloquial, aduzindo-se a isso que os leitores ali agrupados são de áreas as mais diversas. Acho que o importante foi que me fiz entender pelos meus faceamigos.Agora, não sei se meus colegas operadores do Direito se abespinharam com o tom que empreguei… Até agora não me chegaram críticas a esse respeito.
Denise debateu, na campanha para governo do Rio em 2006, com candidato Sérgio Cabral, que foi eleito, Foto: Tasso Marcelo/AE
N – Chamou-me a atenção em seu desabafo o uso de um termo medicinal para definir remédio inócuo, o placebo. Que semelhança há entre os remédiospara enganar leigos em medicina e denúncias do gênero das vazadas pelo site do jornalista americano?
DF – A expressão completa que usei foi “placebo de palavras”, ou seja um nada em termos de relevância jurídica para o fim pretendido – o de demonstrar parcialidade do magistrado, já que o placebo, em farmacologia, é inerte, sem propriedades terapêuticas. O que o ordenamento jurídico quer do magistrado é uma postura de cumprimento da Constituição, de maneira proba, prolatando decisões devidamente motivadas, sendo toda a sua atuação pautada pela boa-fé. A imparcialidade do juiz consiste na ausência de vínculos subjetivos com o processo, mantendo-se o julgador distante o necessário para conduzi-lo com isenção. Ser imparcial é diferente de ter opiniões pessoais. Afinal, o juiz também é um ser humano. A sentença é uma conclusão lógica e técnica diante da tese apresentada pelo MP e a antítese apresentada pela defesa. A sentença é a síntese. Sentença vem de “sentir”, é uma convicção gerada pelos elementos  colhidos durante a instrução do processo. Assim qualquer questionamento acerca da parcialidade de um juiz deve apontar, no caso concreto, o que o faz tornar-se parcial em prejuízo do reclamante, ou indigno de fé. Averbe-se, por oportuno, que o primeiro juiz da imparcialidade é o próprio juiz da causa, que deve reconhecer, de ofício, seu eventual impedimento ou suspeição e nem precisa declinar as razões que o levam a afastar-se voluntariamente do processo, basta alegar que o motivo é de foro íntimo. Até aqui, só vi tititi e blábláblá naqueles “diálogos”.
Eu perdi a conta de quantos habeas corpus objetivando a nulidade do processo foram impetrados contra mim, enquanto magistrada, sob o argumento de parcialidade, durante o processo daquela “cúpula do jogo do bicho”, todos denegados. Mas recordo-me também de uma arguição de suspeição contra mim formulada pelo Ministério Público, em outro processo, porque o advogado adentrou o meu gabinete (era comum eu receber advogados, MP, mas não as partes) acompanhado da parte, um casal estrangeiro, e não me avisou que era a parte. Igualmente denegado. Mas tudo se esclareceu, o advogado ficou penalizado e eu coloquei a representação do MP contra mim, igualmene denegada, num quadro e toda vez que me acusavam de ser dura, rigorosa, punitivista eu mostrava a tal representação do Ministério Público (risos).

 N – A senhora desconfia que o objetivo da desmoralização das operações da Polícia, do Ministério Público e da Justiça Federal de primeira instância seja permitir que decisões de altas instâncias venham a soltar presos, entre os quais o presidiário mais notório do Brasil, Lula da Silva, interromper a lua de mel entre a Justiça de primeira instância e a sociedade e, em última análise, interromper o trabalho dos agentes da lei envolvidos?
 DF – Eu não conheço o processo, mas o desenrolar dos fatos às vésperas de um julgamento por Corte superior acerca de arguição de parcialidade de magistrado que julgou o feito – e que foi integralmente acolhido pelo colegiado de segundo grau à unanimidade, sinaliza um comportamento usual  quando estão envolvidas figuras poderosas, de alta influência e com muito dinheiro para gastar com advogados, que normalmente cobram por atos – e cobram muito caro! Isso sem contar que há uma parte desses gastos enormíssimos que é paga por todos nós, contribuintes, pois há um custo altíssimo quando se aciona o aparato judicial, sem contar também o prejuízo de ocupar os tribunais com repetições ad infinitum de questões já debatidas pelas Cortes. Tudo isso tem um custo e deveria ser quantificado pelos experts. No meu caso, enquanto juíza que conduziu o processo contra a “cúpula do jogo do bicho” – houve, primeiro, a tentativa de “comprar” a minha decisão absolutória ou, no mínimo, condenatória, mas deixando os réus soltos, vale dizer, sem decretar a prisão deles por força de sentença condenatória; como não deu resultado, tentaram me desmoralizar e, por fim, me matar. Tive três atentados contra a minha vida, esses apenas os que chegaram ao meu conhecimento.
Recente tombo doméstico impediu Denise de exercer sua paixão pelo montanhismo, escalando mais uma montanha do Himalaia como a da imagem. Foto: Acervo pessoal
N – Agora, como o Grupo Bandeirantes, o jornal Folha de S.Paulo tornou-se parceira e divulgadora das denúncias do site The Intercept Brasil. Isso produziu uma notícia dada e depois desmentida pelo Globo e a manchete da Folha de domingo 23 de junho Lava Jato articulou apoio a Moro em momento crítico. Como a senhora está acompanhando essa tentativa de transformar placebo em veneno? Haveria algum antídoto na lei para isso?
N – Não tenho lido as matérias produzidas acerca desse caso, apenas dou uma olhadela, porque estou em convalescença e me cansam os placebos de palavras que vêm sendo produzidos até aqui. Nada há até aqui que torne o magistrado suspeito de parcialidade ou indigno de fé nas conversas produzidas – se forem verdadeiras – entre juiz e promotor. Quando o juiz se refere à testemunha que teria fatos a declarar, se verdadeiro o diálogo, repito, ele faz o que é correto, encaminha ao Ministério Público, no interesse da verdade real. Afinal, é o MP o dominus litis, é quem impulsiona o processo. Eu fiz isso quando fui procurada pelo contador do bicheiro Castor de Andrade, portando os livros da “contabilidade” da organização criminosa. Eu liguei para o telefone do procurador de Justiça Antonio Carlos Biscaia e encaminhei o denunciante a ele, que tomou as providências como parte. Descobriu-se, então, o comprometimento quase que completo da classe politica do Rio de Janeiro, além de segmentos mais cultos da sociedade, alguns juízes e promotores. O povo é sempre subestimado diante da profusão de notícias com as quais ele é confrontado diariamente.  Mas ele sempre surpreende. Até porque há sempre um contraditório nas publicações e aí ele vai buscando, no entrechoque das posições, num processo semelhante ao do juiz, aquela posição que entende mais confiável. Enfim, o povo também julga.

N – O colunista Elio Gaspari, que escreve um artigo às quartas-feiras e uma coluna aos domingos em dois jornais de grande circulação, a Folha, em São Paulo, e o Globo, no Rio, chamou a atenção para o equívoco de Greenwald e seus parceiros de divulgarem as denúncias a conta-gotas. Qual a sua opinião sobre a estratégia e a crítica do jornalista?
DF – Não tenho condições de avaliar isto. Refoge à minha expertise. Mas sou leitora do jornalista e autor Elio Gaspari, a quem muito admiro.
Na campanha para o governo do Rio em 2006 Denise foi homenageada pela Confraria do Garoto na frente do número 13 da rua 13 de Maio. Foto: Marcos D’Paula/AE

N – O que a senhora achou do desempenho de seu colega Sergio Moro ao responder ao interrogatório na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal e de sua decisão posterior de não comparecer à CCJ da Câmara, citando em seu perfil social verso famoso do poeta latino Horácio, parturiunt montes, nascetur ridiculus mus – em tradução livre, “a montanha pariu um ridículo rato”?
DF – O ministro Moro foi sereno, reto e direto. Colocou fatos que inviabilizam qualquer acusação de parcialidade como, por exemplo, aquelas estatísticas que comprovam suas decisões – absolutórias, condenatórias, etc. Chamo a atenção para o video do interrogatório dos réus, notadamente daquele do ex-presidente. Elegante, sem qualquer adjetivo, o magistrado Moro, mantendo um tom monocórdico, como deve ser, avançava com as perguntas para a busca da verdade real, conforme lhe impõe a lei. Ali, o réu teve toda a chance de se defender. Quando foi determinada pelo tribunal a prisão do, agora, já definitivamente condenado Luiz Inácio Lula da Silva, o juiz, elegantemente, marcou o prazo para ele se apresentar para o cumprimento da pena, o que foi por ele, condenado, cumprido, conforme centenas de imagens à disposição.
Quanto ao fato de não ir até a CCJ da Câmara, achei inoportuno o convite da CCJ da Câmara – e aí falo como ex-deputada federal e ex-terceira vice-presidente da CCJ – para que o agora ministro da Justiça fosse novamente passar um precioso dia de suas atividades como ministro da Justiça repetindo ad infinitum o que dissera na CCJ do Senado. Ora, basta a CCJ da Câmara dos Deputados solicitar a transcrição da fita do depoimento do ministro na CCJ do Senado. E se houver algo mais que a CCJ da Câmara queira saber, que oficie ao ministro. Mas deixem-no trabalhar, afinal este país está em ebulição de violência e o meu Estado, o Rio de Janeiro está numa verdadeira guerra civil, tamanha a criminalidade que campeia a solta – milícias, bicheiros, traficantes, todos à vontade nessa terra que ainda não foi eficazmente confrontada com o império da lei. Ficou feia, a meu modesto ver, a insistência da CCJ da Câmara em levar novamente o ministro para ser ofendido por alguns, que, por um brilhareco, na maioria das vezes negativo, mostram uma face negativa do Parlamento, desrespeitosa e que, muita vez, em nada acrescenta para a verdade real. E repito,  falo aqui como ex-terceira vice-presidente daquela Casa, pela qual tenho o cuidado e o apreço de que não caia na depreciação do povo, em nome do qual  ela ali está!

N – Quais serão os próximos capítulos dessa novela, em sua opinião: Lula será solto, as operações cessarão, Moro cairá do Ministério da Justiça, ou tudo tende a produzir exatamente o oposto, ou seja, a desmoralização dos denunciantes e o fortalecimento do combate à corrupção e aos crimes de colarinhobranco e organizado?
DF – Pergunta que vale um milhão.
Mas uma coisa é certa: desde o processo que presidi há 26 anos, que num trabalho primoroso do Ministerio Publico mostrou o intestino grosso da corrupção, a sociedade vem clamando pelo combate eficaz à corrupção institucionalizada em órgãos da administração pública, o que não foi dado à continuidade no meu Estado do Rio de Janeiro e hoje se sabe a razão, já que é a única unidade federativa onde todos os ex-governadores estão ou estavam na prisão. A eclosão da Lava Jato se constitui num processo nunca visto de depuração das instituições, na busca pelo retorno da dignidade e da moralidade, únicos substratos possíveis para dar autoridade à administração, bem como consagrar em atos concretos devidamente tutelados pela polícia e pelo Judiciário o ideal de justiça, essência imprescritível do equilíbrio social. Mas não posso deixar de prestar um tributo a um ministro que, ao despir a farda de almirante e vestir a toga de magistrado, sentiu o peso de ser imparcial e corajosamente proferiu um voto histórico acerca do atentado do Riocentro, ao reconhecer  que a investigação oficial daquele atentado fora forjada para não incriminar militares de alta patente que tramaram a explosão, concluindo, profeticamente: Enquanto órgãos policiais não apurarem e não apresentarem elementos suficientes à Justiça Militar, os crimes de terror continuarão impunes”. Duas investigações militares sobre o atentado foram arquivadas, sem que houvesse condenados.
Refiro-me aqui, ao almirante Julio de Sá Bierrenbach, ministro do Superior Tribunal Militar de 1977 a 1987. Isso cai como luva também na luta contra a corrupção.
É assim que vamos caminhando no processo civilizatório, embora, às vezes, por paus e por pedras. Avante.
Sobre acusações contra Moro disse Denise: “Até aqui só se sabe que o material apresentado foi criminosamente obtido, portanto, estamos a falar de criminoso ou criminosos}”. Foto: José Patrício/AE

José Nêumanne, O Estado de São Paulo