sexta-feira, 28 de junho de 2019

Governo Bolsonaro acelerou ritmo das negociações, diz comissária europeia

Cecilia Malmström afirmou que 

negociações evoluíram no começo

de 2019 e que o novo governo

brasileiro tinha no acordo uma

de suas prioridades



BRUXELAS
A comissária europeia para o Comércio, Cecilia Malmström, disse nesta sexta-feira (28), após o anúncio da conclusão do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE), que o ritmo das negociações se acelerou no começo de 2019, com a posse do novo governo brasileiro, “que tinha nele uma de suas prioridades”.
Além disso, segundo ela, “o clima internacional ajudou a nos convencer de que era hora de concluir esse acordo”. A comissária se referia à guerra comercial entre EUA e China.
Ainda que não mencionada por Malmström, a troca de guarda na Comissão Europeia (braço executivo do bloco), em novembro, também contribuiu para agilizar os trabalhos. A nova burocracia precisaria de tempo para se familiarizar com os meandros de uma negociação de duas décadas.
​Malström ressaltou que o texto fechado agora tem provisões acerca da proteção ambiental e da adesão ao Acordo de Paris sobre a mudança climática –um sumário será divulgado neste fim de semana.
Há cerca de dez dias, uma carta assinada por cerca de 340 ONGs (a maioria europeias) pedia que a UE não concluísse o acerto comercial enquanto o Brasil não adotasse “medidas rígidas para pôr fim ao desmatamento” e o país não desse “demonstrações concretas de implantar o Acordo de Paris”.
Na campanha de 2018, Bolsonaro declarou que poderia tirar o Brasil do pacto firmado na capital francesa em 2015. Na quinta (27), o presidente da França, Emmanuel Macron, afirmou que, se a posição do líder brasileiro ainda fosse essa, seu país não assinaria qualquer acordo comercial com o Mercosul.
Na sexta, o comissário europeu para a Agricultura, Phil Hogan, atribuiu os 20 anos de tratativas à necessidade de contemplar os interesses dos 28 países que compõem a UE –“no Mercosul, são apenas quatro”, comparou.
Na reta final das negociações, a UE se dividiu em duas frentes: um grupo liderado pela Alemanha e pela Espanha enviou carta à Comissão na sexta (21) pedindo que elas fossem encerradas rapidamente.
Já a ala capitaneada por França e Irlanda sustentava que um acordo poderia “desestabilizar a produção e o setor agrícola” e expressava preocupação especial com as cotas a serem definidas para a entrada de carne bovina, frango, açúcar e etanol na UE.
Depois do pronunciamento dos comissários europeus, o chanceler brasileiro, Ernesto Araújo, disse que a longa gestação da parceria comercial se deu porque “faltava vontade política dos principais atores, certamente do lado do Brasil”.
“A grande diferença é a determinação política do presidente JairBolsonaro”, afirmou o ministro, que antes falara em “dia histórico para o nosso governo”.

Para Araújo, que é crítico do globalismo, o pacto se insere “nas linhas de ação da política externa e comercial do Brasil: competitividade, abertura ao mundo, integração e reconexão com parceiros tradicionais, com conjunção com os parceiros de Mercosul”.
 
Em outubro de 2018, pouco após o anúncio da vitória de Bolsonaro na eleição, o hoje ministro da Economia Paulo Guedes, disse que o bloco sul-americano não era uma prioridade da futura gestão.
Na sexta, depois de destacar a contribuição da Argentina (que presidia a atual rodada de tratativas, pelo lado do Mercosul), Araújo afirmou que o acerto valoriza o consórcio regional como plataforma negociadora.
Para Marcos Troyjo, secretário especial de Comércio Exterior, que também participou da última rodada de negociações, “é como apertar o botão de reiniciar pro Mercosul”.
“O bloco foi durante muito tempo uma caixa de ressonância de interesses ideológicos. Dava opinião sobre processo de paz no Oriente Médio, se a Crimeia pertencia a este ou àquele país, mas não fazia coisas básicas de integração econômica ou logística. Isso abre portas, por exemplo, para a revisão da tarifa externa comum.”
Segundo Araújo, o pacto “reforça o papel do Brasil como ímã de economia de mercado e democracia na região”, por envolver um parceiro comprometido com valores democráticos e de liberdade, inclusive econômica.
O ministro afirmou que as “duras” dadas no governo brasileiro nesta semana pelo presidente francês, Emmanuel Macron, e pela chanceler alemã, Angela Merkel, no que se refere à política ambiental não tiveram impacto na reta final das conversas.
Lucas Neves, Folha de São Paulo