Ortega y Gasset dizia que “uma Nação é um projeto de vida em comum”. É um contrato entre pessoas, regiões e grupos sociais, que entendem que os benefícios de compor uma coletividade unificada são maiores do que os custos de pertencer a ela.
Nesse sentido, o Brasil está passando por uma fase da sua História na qual o país ficou à deriva, e os brasileiros parecem ter perdido a capacidade de se colocar de acordo em torno de projetos que os unam. Embora a ideia de futuro ainda atue como elemento unificador, as propostas de caminhos para chegar a ele têm diferido cada vez mais, e a possibilidade de diálogo entre diferentes grupos tem diminuído. A fragmentação da sociedade se acentuou de forma dramática nos últimos tempos.
A eleição deste ano e o próximo governo serão muito importantes para que os brasileiros possam ver no conjunto formado por todos a expressão de alguma forma de unidade.
Considerando que em 2022 se completarão 200 da nossa Independência, a ocasião será propícia para a existência de um evento comemorativo que consagre uma fase de maior aglutinação em torno de interesses comuns, como todos deveríamos torcer que ocorra nos próximos anos.
Nesse sentido, pode ser interessante tentar, com as devidas adaptações, emular a experiência espanhola com a Expo 1992 organizada em Sevilha.
O projeto de fazer uma exposição comemorativa surgiu mais de 15 anos antes do evento, quando o rei Juan Carlos, em 1976, em visita a Santo Domingo (República Dominicana), manifestou o desejo de organizar uma exposição na qual se exibiriam as conquistas da Espanha, nas comemorações do Quinto Centenário do Descobrimento da América, em 1492. Vale lembrar que os anos em torno de meados da década de 1970 ainda constituíam um período bastante conturbado da vida da Espanha, com a democracia longe de estar consolidada e um futuro econômico muito incerto.
Cinco anos depois, em 1981, Sevilha se postulou como sede do evento, no contexto da ascensão de um “filho da terra”, o posteriormente primeiro- ministro Felipe González, então rising star da política local. Assim, em 1982 o Instituto de Cooperação IberoAmericana criou o Projeto Sevilla 1992, que foi o nome da exposição ocorrida dez anos depois.
Em que pesem as dúvidas que existiam acerca da capacidade do país de realizar o evento, ainda mais no mesmo ano de organização das Olimpíadas de Barcelona, a Espanha conseguiu mobilizar esforços e realizar o empreendimento a contento. A Expo mudou a cara da cidade, com grandes transformações urbanas, a construção de novas vias, a ampliação do aeroporto e uma nova ligação Madri-Sevilha, feita por meio de um trem de alta velocidade.
No Brasil, poderia se pensar no Rio como sede de um evento do gênero. É verdade que o desastre pós-Olimpíadas pode desestimular o exemplo. Entretanto, o fato é que não se trataria de fazer grandes obras como as realizadas em Sevilha para a Expo 1992 ou no Rio para 2016, e sim de a cidade ser sede de um grande evento comemorativo, que durasse em torno de uma semana.
Seria um momento de celebração, em que uma combinação de feriados municipais, diversidade de eventos, promoções turísticas, dois ou três grandes shows e uma multiplicidade de debates poderia atrair para o Rio um fluxo turístico nacional e internacional importante, espera-se que em plena recuperação da cidade, do estado e do país depois da tragédia dos últimos anos.
Essa definição de um calendário e todo o conjunto de coisas que teriam que acontecer num curto espaço de tempo, evidentemente, precisaria ser meticulosamente planejada.
O Rio é a capital de um estado que faliu, mas é também a cidade do maior carnaval do mundo, do Maracanã (que tal um Brasil-Argentina no Maraca com Neymar e Messi nos 200 anos do país independente?), do Rock in Rio e de um réveillon de fama mundial. Certamente, está em condições de sediar um empreendimento desse tipo.
Borges disse certa vez que “cada país tem suas palavras, seu ambiente. A amizade é feita de uma língua em comum, dessas palavras e lembranças compartilhadas, referências. Isso faz uma Pátria”. No contexto de frustrações e disputas desta década, fomos perdendo esse sentimento. Está na hora de resgatá-lo. Uma Expo Brasil 2022 poderia ser um marco desse processo de recuperação da autoestima nacional. Vale a pena pensar.
Fabio Giambiagi é economista