A manchete do Estadão de domingo – Dezoito ex-ministros de Lula e Dilma são alvo de investigação por desvios – é a constatação factual do principal pecado do chamado “presidencialismo de coalizão” e da distinção entre a corrupção corriqueira de antes e o saque sistemático e completo de todos os cofres disponíveis da República.
O pacto da “governabilidade”, eufemismo caridoso para justificar a ocupação dos ministérios por grupos de políticos profissionais que controlam o Congresso Nacional, não resulta de uma parceria de programas partidários para uma gestão de qualidade, atendendo a interesses republicanos, mero pretexto retórico. Mas, sim, da divisão de verbas orçamentárias para subvencionar interesses grupais e paroquiais de chefões de legendas, interessados apenas na permanência no poder, nos melhores casos, ou no enriquecimento pessoal, nos mais deletérios deles.
Na embriaguez da popularidade inesperada, o primeiro presidente eleito pelo povo depois da ditadura, Fernando Collor, confrontou esse paradigma e deu com os burros n’água por não aceitar dividir com os dirigentes partidários o butim dos cofres da “viúva”, chegando a perder a Presidência na metade do mandato. Seu vice e sucessor, Itamar Franco, beneficiário de um acordão multipartidário, saiu de seu mandato-tampão ileso e ilibado, já que impôs a um Gabinete dos que apoiaram o impeachment do titular da chapa a execução de uma gestão austera dos negócios de Estado. Se não o fizesse, não teria deixado para a posteridade a maior revolução social da História, o Plano Real, baseado na responsabilidade fiscal. Esta não resistiria à dilapidação patrimonial da poupança pública, lema que elegeu o ministro da Fazenda que a planejou e realizou, Fernando Henrique Cardoso, para dois mandatos, legitimados por vitórias no primeiro turno. Mas ele perdeu a legitimidade ao forçar a barra da aliança parlamentar formada para gerir a gestão compartilhada na luta, eivada de suspeitas de corrupção, para obter a reeleição.
O desgaste causado pelas dúvidas sobre o segundo mandato ajudou a alçar o Partido dos Trabalhadores (PT) ao poder. Nele ex-dirigentes sindicais, “padres de passeata”, “freiras de minissaia” (apud Nelson Rodrigues) e ex-guerrilheiros, doutrinados por Marx a desafiar a ganância capitalista, justificando a “apropriação” da “mais-valia”, aproveitaram-se das vantagens do acesso aos cofres da República. A propina dos corruptos de antanho foi, então, substituída pelo método do saque, mais premeditado e planejado do que propriamente organizado, do patrimônio público. Para realizar essa mudança contaram com uma oposição omissa, a prerrogativa de foro e a camaradagem no Supremo Tribunal Federal.
Nenhum tipo de corrupção deve ser perdoado. Se a denúncia do empreiteiro da Engevix José Antunes Sobrinho à Advocacia-Geral da União (AGU) for comprovada, os receptadores de comissões nas gestões estaduais paulistas dos tucanos José Serra e Geraldo Alckmin receberão com justiça tratamento penal igual ao dado a réus da Lava Jato. A notícia, publicada pela revista Época, revela o acerto da distinção feita no parágrafo anterior e põe por terra o mantra, exaurido pela esquerda pilhada em flagrante delito de furto, de que há delação premiada seletiva contra seus larápios de estimação. Da mesma forma, se não é aceitável a ladainha usada pelo PT e seus aliados de que as gorjetas dadas aos partidos configuram doações legais consignadas na lei eleitoral, idêntica desculpa amarelada não serve para tucanos de mãos leves pilhados.
Como também as citações de dirigentes do PSDB (o morto Sérgio Guerra e o vivo Aécio Neves) na Lava Jato não podem servir de pretexto para a fanfarra parlamentar, militante ou acadêmica da esquerda “delinquentófila” usá-las como justificativa para a ação deletéria de seus ícones do socialismo, cujos delitos causaram a maior crise da História do País.
Há defensores de pobres e oprimidos que falam e agem como cúmplices dos gatunos. A Associação dos Engenheiros da Petrobrás e os sindicatos do setor nada disseram contra o desmanche da estatal pelo superfaturamento de contratos em troca de “adjutórios” para petroleiros, políticos e legendas receptadoras de doações.
Nenhum sindicato de bancários cobrou explicações sobre os financiamentos bilionários, investigados na brasileira Lava Jato e na Operação Marquês, portuguesa, para a obra da hidrelétrica de Cambambe, na Angola do ditador comunista José Eduardo dos Santos, pai de Isabel dos Santos, a mulher mais rica da África. Aliás, a juíza Maria Priscilla Ernandes Veiga, da 4.ª Vara Criminal paulista, processou o ex-presidente da cooperativa dos bancários (Bancoop) João Vaccari Neto por ter usado o patrimônio da entidade para financiar o PT e bancar apartamentos na praia para petistas ilustres, entre eles Lula. E a Central Única dos Trabalhadores (CUT) não deu um pio em contrário.
Dos 18 ex-ministros de Lula e Dilma citados neste jornal no domingo, dois foram da Fazenda. Um, Guido Mantega, é acusado de ter achacado empresários no gabinete. E Paulo Bernardo responde por ter cobrado propina de servidores do Ministério do Planejamento, sob seu comando, que pediram empréstimos consignados. Algum socialista reclamou?
Que nada! O PT, a defesa de Lula e parte daintelligentsia comparam Sergio Moro, da Lava Jato, ao dominicano Savonarola e dizem que, por ser moralista e intolerante, ele “persegue” o três vezes réu. Só que este também responde por corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de influência e organização criminosa, e não por crime político, a outro juiz, Vallisney Oliveira, de Brasília.
Nunca antes na História houve nada igual. É hora de aceitar a realidade, processar e punir os responsáveis. E sanar as distorções que desempregaram ou subocuparam 16,4 milhões de brasileiros (16% da força de trabalho). Não dá mais para perdoar ignomínias desse jaez.