segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Ruth de Aquino e "A guerra dos juizecos, chefetes e senadorecos"

Epoca

Renan pode morrer pela boca. E pela arrogância. Fala demais, se altera demais, seu riso é falso demais


A disputa entre o Legislativo e o Judiciário descambou para uma linguagem vulgar, quase chula, graças a um presidente do Senado que tem nas costas 11 inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Onze! É dose. Nove deles relacionados a corrupção na Petrobras, investigada pela Lava Jato. Renan Calheiros pode ter herdado de José Sarney a capacidade de ressuscitar. Mas não herdou a serenidade e a capacidade de aglutinar.
O alagoano é muito mais destemperado que seu padrinho maranhense. Pragueja. Se pensa que pode varrer malas, documentos e malfeitos, dele e de seus colegas, para baixo do tapete, é bom repensar, porque a batalha verbal pode lhe valer a derrota na guerra. Ex-amante da morena mineira com quem teve uma filha e a quem pagava pensão com suposta ajuda de uma empreiteira, Renan pode morrer pela boca. E pela incontinência e arrogância. Fala demais, se altera demais, manobra demais. Seu riso com os dentinhos de fora é falso demais. Tudo demais.
Não se iludam com a apregoada paz que juntou na sexta-feira Michel Temer, Cármen Lúcia e Renan Calheiros numa sala para discutir a violência no Brasil. Não passa de trégua de primeira instância, provisório cessar-fogo. Não existem pontos em comum entre o presidente do Senado e a presidente do Supremo Tribunal Federal. Fingem um convívio pacífico em nome da República. É questão de tempo para isso estourar.
A disputa não começou agora. O juiz Sergio Moro já tinha dito que o Congresso “deve mostrar em que lado se encontra”. Moro defende o projeto de dez medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público e assinadas por mais de 2 milhões de eleitores.
Renan pressiona o Senado a aprovar projeto para coibir “abusos de autoridade”. De que lado Renan está? O projeto estava engavetado no Senado havia mais de cinco anos. Quem é o relator do projeto? O senador Romero Jucá. O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, pediu a prisão de Jucá. Quem é o autor do projeto, datado de 2009? O atual ministro da Defesa de Michel Temer, Raul Jungmann.
Nesse cenário de House of cards, a PF deslancha a Operação Métis – deusa grega da astúcia, prudência e virtudes – e prende quatro policiais legislativos que, autorizados por Renan, fizeram varredura eletrônica em casas de senadores como Fernando Collor e Gleisi Hoffmann e do ex-presidente Sarney. Uma das varreduras foi no escritório do ex-genro do ex-senador Lobão Filho, no Maranhão. Usou-se verba pública para buscar grampos em locais não oficiais, fora da responsabilidade do Senado. Com um objetivo aparente, porém não confessado: atrapalhar a Lava Jato.
Renan explode. Chama o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, de “chefete” de polícia que “dá bom dia a cavalo” e pressiona Temer a dispensá-lo. Acusa a Polícia Federal de mais “fascista” que a polícia da ditadura militar. (Renan não gostaria que chamassem a polícia do Senado de “milícia particular” – seria uma clara injustiça). O senador denunciou “arreganhos, truculência, intimidação”. Fez o mesmo.
Investiu contra o “juizeco de primeira instância” Vallisney de Souza Oliveira, de Brasília, que autorizou a ação da PF no Senado. Discreto e com um blog de poesias suas e de outros autores, Vallisney recebeu uma solidariedade de alta patente: da presidente do STF, Cármen Lúcia. “Onde um juiz for destratado, eu também sou. Qualquer um de nossos juízes é”, disse Cármen, sem entrar no mérito da operação em si e sem citar Renan.
Na quinta-feira, o ministro do STF Teori Zavascki suspendeu a Operação Métis da PF, acolhendo o argumento de que só o Supremo poderia investigar os senadores. As maletas antigrampo do Senado foram remetidas ao STF. Renan comemorou, com “fé na Justiça”. E saudou “a harmonia entre as instituições”. Logo quem.
Renan poderia ter defendido, com elegância, a soberania do Congresso contra policiais federais. Mas seu temperamento explosivo e seu passado de ficha discutível acabam por torná-lo um alvo nas redes sociais, que erguem a bandeira #forarenan. Todos sabem que renunciou em 2007 para se livrar da cassação. E foi absolvido, em votação secreta no Senado, da acusação de ter suas contas particulares pagas por um lobista.
Estamos cheios já de foros privilegiados. Cármen Lúcia também é contra. Estamos cheios de castas políticas que legislam em causa própria e querem cortes nas aposentadorias sem mexer em suas mordomias vitalícias, imorais e passadas a herdeiros. Estamos cheios de nepotismo e do “você sabe com quem está falando”.
No dia 3 de novembro, o STF julgará uma ação que impede réus com processos no Supremo de ocupar cargos da linha sucessória da Presidência da República. Renan se encaixa exatamente nesse perfil. Mais um episódio, talvez o final de uma temporada. O que acontecerá?