sábado, 22 de outubro de 2016

"Alerta de Moro, terremoto em Brasília, e um filme", por Vitor Hugo Soares

Com Blog do Noblat - O Globo


Antes de assentar a poeira do terremoto que varreu Brasília, a partir da prisão do ex manda chuva da Câmara, Eduardo Cunha, e sua condução para o cárcere em Curitiba, segue o Planalto em desassossego. São os repiques dos tremores: nesta sexta-feira, 21, áreas e figuras das sombras sob suspeitas e investigações no Congresso Nacional amanheceram sob o cerco da Polícia Federal empenhada na Operação Métis, com o objetivo de desarticular associação criminosa (formada por agentes da Polícia Legislativa), suspeita de tentar embaraçar as apurações da Lava Jato.
Pode parecer incrível aos olhos do mundo, mas está bem “nos conformes” (para usar uma típica expressão soteropolitana) dos padrões da atual crise política e moral que o País atravessa. Os fartos indícios criminosos de que policiais legislativos faziam varreduras em casas de parlamentares, para descobrir e eliminar escutas instaladas por ordem do Judiciário. De acordo com policial que fez delação premiada, três senadores ( Fernando Collor de Mello e Gleisi  Hoffmann) e um ex-parlamentar ( ex-presidente do Congresso) se “beneficiaram” com as ações de contra inteligência. Em círculos mais restritos e bem infor mados da política e do empresariado, as ações motivadoras da Métis ganharam uma denominação própria e especial: a “contra ofensiva de Renan”. De resultados ainda a conferir, com o andar da carruagem de fogo pelos cerrados do Planalto Central do Brasil.
Ouvidos moucos para o aviso contundente dado, através de atos e palavras, pelo juiz Sérgio Moro na semana por findar: na quarta-feira, com a efetivação da esperada prisão de Cunha e, no  dia seguinte, com a palestra marcada pelo inconformismo e justa indignação (de magistrado íntegro, competente e cumpridor do dever), contra as manobras de ataques ao efetivo exercício da magistratura, mal escondidas no arremedo do plano de reformas defendidos pelo presidente do Senado, Renan Calheiros.
Não custa relembrar, principalmente aos que fazem ouvidos de mercador e tentam confrontar com ameaças o juiz condutor da Lava Jato. No concorrido ato realizado  na sede da Justiça Federal, em Curitiba, Moro voltou a condenar o projeto de Renan Calheiros. E a reafirmar que ninguém é contra que autoridades que cometam abuso sejam responsabilizadas, desde que abusos tenham sido praticados. O condenável e preocupante, para o magistrado, é que o projeto de Renan representa, por sua abrangência. 
- Corre-se o risco de se criar o que é chamado de crime de hermenêutica, punir o juiz por ele ter tomado uma decisão interpretando a lei. Alguém que eventualmente discorda, se esse projeto for aprovado, poderia em seguida propor ação penal contra o juiz, apenas intérprete da lei, como é uma exigência e uma garantia da magistratura e da sua atuação independente - afirmou Moro em sua aplaudida fala ao qualificado auditório.   
Mais direto e contundente ainda, no ato, foi o procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, porta-voz da Força-tarefa da Lava Jato, que acusou o projeto de ter como objetivo uma atitude espúria: “retomar as práticas de corrupção e fazer calar as investigações contra a corrupção no País. “O que está ocorrendo - no momento, é um abuso do poder de legislar”.
É inevitável para o jornalista e cinéfilo - no rastro dos fatos, imagens e palavras relevantes da semana - a recordação do enredo de um clássico do cinema: o filme “Anatomia de um Crime”, clássico do consagrado diretor Otto Preminger, que assinala, também, um dos mais extraordinários desempenhos do saudoso ator James Stewart. Apesar da larga distância no tempo que separa a obra de ficção do suspense criminal nos Estados Unidos, e a dramática realidade deste período temerário no Brasil.
Os críticos, em geral, sugerem a quem vai assistir o filme de Preminger, imaginar-se na pele de um dos 12 jurados que, no final, terá de dizer “inocente” ou “culpado”. É bom ficar atento e ligado na trama que corre na tela, porque os espectadores não recebem informações privilegiadas. O crime não aparece diante das câmeras em nenhum momento. É um daqueles magníficos “filmes de tribunais”, que todo verdadeiro amante do bom cinema sente saudades. Ficamos sabendo de um corpo cravejado de balas e de que um tenente fez os disparos.
“Anatomia de um crime coloca-nos diante do direito real, com todas as suas manipulações, cortinas de fumaça, incertezas. No centro de tudo, o ex-promotor Paul Biegler (James Stewart) que, segundo a análise de um dos críticos do filme, “abandonou sua carreira de sucesso e agora ocupa-se de coisas mais interessantes, como pescar, dedilhar um jazz ao piano (trilha fantástica de Duke Ellington), e a conversar com um velho amigo sobre Filosofia do Direito”. Mais que isso,  não conto nem sob tortura.
Nem sobre Anatomia de Um Crime, nem sobre a devastadora passagem da Lava Jato esta semana por Brasília. Nem mesmo sobre o intrigante artigo assinado pelo ex-presidente Lula, na Folha de São Paulo ou,  mais intrigante ainda, a entrevista do ex-governador e ex-ministro Jaques Wagner, na Tribuna da Bahia, sobre os caminhos e descaminhos do PT e seus agentes mais destacados, em mais de 13 anos de poder. Dois conteúdos que pedem análise mais detalhada, com lupa, se possível.Fica para depois.Ufa, que semana!
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Sérgio Moro (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)Sérgio Moro (Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil)