Em menos de duas semanas, as ocupações de escolas públicas de ensino médio passaram de 90 para mais de 670 em todo o País, segundo levantamento da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (Ubes). Bradando o lema “ocupar e resistir”, os líderes das ocupações alegam que essa forma de protesto tem por objetivo denunciar o que chamam de “retrocesso da educação”. O termo é muito vago, incluindo críticas, denúncias e reivindicações de desigual importância.
Entre outros itens, ele abarca a medida provisória que prevê a flexibilização do currículo do ensino médio, a Proposta de Emenda Constitucional que estabelece um teto para os gastos públicos e projetos de privatização do setor educacional de que ninguém ouviu falar. Também compreende reclamações sobre a baixa qualidade da merenda escolar e a reivindicação de eleição direta para escolha de diretor.
A expressão “retrocesso da educação” engloba o pedido de abertura de Comissões Parlamentares de Inquérito para apurar casos de superfaturamento na aquisição de insumos escolares, a oposição ao movimento “Escola Sem Partido”, a pretensão de que os Estados e municípios passem a prestar contas dos gastos escolares aos secundaristas e cobranças que vão de mais uniformes a inovações pedagógicas que permitam a discussão sobre política, religião e sexo em salas de aula.
Essa profusão de temas dá a medida do caráter político, partidário e ideológico das invasões. Tudo é pretexto para que minorias paralisem atividades letivas e interditem espaços públicos, na base de depredações e piquetes. À medida que elas estão crescendo em todo o País, os esforços dos ocupantes para assegurar a continuidade de seus “atos de resistência” agora se concentram na disposição de questionar as alternativas do poder público para desalojar invasores.
Quando os governos estaduais ingressam na Justiça com pedidos para que a Polícia Militar (PM) promova a reintegração de posse, os invasores, esquecendo-se de que a violência de seus piquetes e depredações é um ato criminoso, denunciam a “opressão policial”. No caso de São Paulo, o governo estadual vem pautando suas ações com base num parecer da Procuradoria-Geral do Estado (PGE) que dispensa o mandado de reintegração de posse expedido pela Justiça e autoriza o governador a convocar a PM para desalojar invasores o mais rapidamente possível. Segundo a PGE, o artigo 1.210 do Código Civil permite que “o possuidor turbado ou esbulhado poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo”.
Manipulados por pequenos partidos de esquerda – como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) e o Partido da Causa Operária (PCO) – e por facções radicais de centrais sindicais, os líderes das invasões das escolas paulistas afirmam que a Constituição está cima do Código Civil. Segundo eles, as invasões não feririam a ordem jurídica por configurar uma tentativa de “restaurar” o princípio constitucional da gestão democrática do ensino público previsto pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Também alegam que as invasões são formas de exercício da liberdade de manifestação do pensamento e do direito de reunião previstos pela Constituição. Dizem, ainda, que as invasões não são uma afronta à autoridade do Estado, mas só um método de “aperfeiçoamento” da democracia, mediante a ampliação do processo de participação da população. Assim, as ocupações deveriam ser admitidas em nome do direito que os estudantes teriam de ser ouvidos, concluem.
Apresentando como lícitos e justificáveis atos que são criminosos, por afrontar a ordem jurídica, esses argumentos não devem ser levados a sério. São falácias com roupagem ideológica, que tentam passar a falsa impressão de que haveria uma revolução – ou uma “primavera” em curso. Longe disso, o que há nessas invasões é o mesmo de sempre: instrumentalização política de estudantes, proselitismo ideológico, depredação, intolerância e, acima de tudo, negação dos valores democráticos mais elementares.