quarta-feira, 17 de setembro de 2014

"Marina Silva e a governabilidade", por Alfredo Sirkis

Folha de São Paulo


Só uma presidente que tenha o dom do diálogo poderá tecer uma aliança em torno da estabilidade econômica e da inclusão social


Na medida em que se revela a possibilidade de uma vitória de Marina Silva (PSB) nas eleições presidenciais deste ano, é natural que apareça a discussão sobre suas condições de governabilidade, uma questão perfeitamente legítima.

Marina deu um importante passo quando anunciou que almeja um único mandato. Podemos contar com o compromisso de que ela não vai "fazer o diabo" para emplacar um sucessor. Essa postura republicana lança bases para uma governabilidade distinta desse voraz apego ao controle da máquina pública do PT e de seus aliados. Rompe com a obsessão da reeleição inaugurada na era tucana.

Esse desapego à permanência indefinida no governo, além de ser uma revolução cultural na vida política brasileira, é elemento pacificador numa era muito raivosa. Mas, e a maioria parlamentar? É curioso levantarem isso, pois ninguém teve até hoje uma base parlamentar formal tão confortável quanto a presidente Dilma Rousseff.

O PT tem menos de um quinto dos deputados e vive em crise conjugal permanente com seu grande aliado, o PMDB, esse ectoplasma político. A situação de Aécio Neves (PSDB), caso eleito, também seria complicada, pois a bancada tucana não ficará maior que a do PT e contarão com uma hostilidade feroz deste, de sua máquina sindical e de seus "movimentos sociais", num ano economicamente difícil como se anuncia que 2015 será.

Com o DEM, seu aliado tradicional, longe da pujança dos anos Fernando Henrique Cardoso, o Congresso Nacional estará muito mais pulverizado. Seu grande parceiro de governabilidade seria, provavelmente, o PMDB. As incertezas de governabilidade não são apanágio de Marina, mas um problema estrutural da política brasileira, próprio do sistema eleitoral de voto proporcional personalizado que temos. O chamado "voto jabuticaba".

A reforma política pela qual me empenhei com uma proposta de voto distrital misto, plurinominal, limitação e diversificação de fontes dos gastos de campanha, sem a estatização pretendida, até hoje não foi viável. A governabilidade terá que ser concebida na atual saia justa.

Desde 2010, propugnamos com Marina o "realinhamento histórico" que incluiria uma espécie de Pactos de Moncloa (acordos de 1977 entre governo e partidos espanhóis durante a transição democrática), envolvendo prioritariamente os irmãos-inimigos da nossa social-democracia, PT e PSDB, além de figuras respeitáveis de outros partidos.

É compreensível que, a priori, rejeitem o realinhamento, sobretudo no calor da campanha que disputam conosco. Eventualmente, consumado o que era antes inimaginável, viveremos uma nova situação.

Opor-nos a ambos e criticar seus limites não significa não reconhecer seus méritos respectivos na estabilização da moeda, no controle da inflação, no início e depois na consolidação de uma rede de proteção social, algum avanço na educação e redução do desmatamento.

Só uma presidente que tenha o dom do diálogo e da construção, uma capacidade de sedução, poderá eventualmente tecer uma aliança assim em torno da estabilidade econômica, da inclusão social e do desenvolvimento sustentável.

A aparente quadratura do circulo da governabilidade fica menos absurda se visualizamos por trás das siglas as pessoas reais com as quais desejamos trabalhar pelo Brasil, nossas histórias comuns, os sonhos e esperanças parecidos que tivemos em diferentes momentos da luta pela construção da nossa tão imperfeita democracia.