domingo, 21 de setembro de 2014

'É preciso ter uma agenda para os próximos 20 ou 30 anos', diz presidente da Fiat

Eduardo Sodré - Folha de São Paulo


Cledorvino Belini chegou à Fiat em 1973, para trabalhar na divisão de tratores.
Naquele ano, a fábrica de carros em Betim (MG) era apenas um projeto no papel –o acordo de interesses acabara de ser assinado pelo então governador de Minas, Rondon Pacheco, e por Giovanni Agnelli (1921-2003), presidente da empresa italiana.

Hoje, Belini é o presidente do grupo Fiat na América Latina, empresa que é líder em produção e vendas no Brasil.

Alexandre Rezende/Folhapress
Cledorvino Belini, presidente da Fiat América Latina, na fábrica da empresa
Cledorvino Belini, presidente da Fiat América Latina, na fábrica da empresa

Mais uma vez, enfrenta um período conturbado, com queda nas vendas e interrupções na produção. Ele fala à Folha sobre o cenário atual da política e da indústria, além das expectativas para um futuro próximo.

Folha - O senhor já passou por diversas crises nesses 41 anos de Fiat. Os problemas atuais são maiores que os de outrora?
Cledorvino Belini - Cada momento tem sua peculiaridade. Tivemos épocas difíceis, como a hiperinflação e a queda nas vendas após 1997. Esse zigue-zague é uma característica do setor no Brasil. Quando há estabilidade, boa massa salarial e baixa inflação, o mercado tende a ir melhor. Mas, se a massa salarial é consumida pela inflação, há queda nas vendas.

Isso está acontecendo agora?
No momento em que o Brasil não cuidou adequadamente de conter a inflação, começou a gerar expectativas negativas e a sociedade perdeu a capacidade de consumo. Então veio a alta de juros, e ficou mais difícil pagar prestações. Mas nosso pessimismo é sem justificativa.

Por quê?
Se olharmos o resto do mundo, há situações muito mais complicadas. Quando falo para colegas italianos que o Brasil tem um endividamento de 58% sobre o PIB, eles dão risada. Dizem "aqui é de 130%, vocês estão preocupados com o quê?".

Esse pessimismo não tem a ver com a percepção de que outros mercados já apresentam recuperação pós-crise, enquanto o Brasil vai na contramão dessa retomada?
Em nosso caso, a correção é fácil. Estamos com um superavit primário de 1,9%, mas fazê-lo chegar a 3,5% é simples, basta um arrocho fiscal não tão difícil.

Por que houve queda de investimentos no Brasil?
Tem a ver com as expectativas. Questões como descontrole fiscal, aumento da inflação e diminuição do consumo afetam o caixa das empresas. As que investem a curto prazo precisam equalizar os estoques e acabam por pisar no freio.

Alexandre Rezende/Folhapress
Presidente da Fiat usa até hoje uma caneta-tinteiro Parker 21 que ganhou do pai há 60 anos
Presidente da Fiat usa até hoje uma caneta-tinteiro Parker 21 que ganhou do pai há 60 anos


É esperado que 2015 seja um ano difícil. Quando a economia voltará a crescer?
Acredito que a partir do próximo ano teremos os primeiros sinais de melhora, tudo depende da credibilidade. Quando o mercado vê sinais positivos, surge o otimismo e a máquina começa a funcionar. O que vivemos hoje é o descrédito. Não há investimento nem consumo, é o pior dos mundos.

Deverão ocorrer novas paradas de produção até o fim desse ano? Há preocupação com demissões?
As montadoras têm, ao todo, cerca de 140 mil funcionários. Se movimentarmos dois, vira manchete. Porém os fornecedores de componentes e serviços não esperam duas vezes. Diminuiu a demanda, eles ajustam de acordo com a necessidade. Quando esse setor faz um reajuste de 10% na mão de obra, envolve 150 mil pessoas. E isso acontece num piscar de olhos, mas é muito pulverizado. Há 200 mil empresas que trabalham para a indústria automotiva.

Como contornar a crise atual do setor?
Temos que conseguir mercado para sustentar todo o sistema. Não adianta ficar segurando em férias coletivas, é preciso entender a economia como um todo. E, quando o setor automotivo não vai bem, todo mundo já pensa "opa, amanhã meu negócio pode também não ir bem".

A indústria automotiva nacional tornou-se dependente de estímulos pontuais do governo. Como o sr. vê essa situação?
Os incentivos foram dados nos momentos em que o setor estava realmente precisando. Lidamos com uma cadeia que tem 1,5 milhão de empregados e a maior carga tributária do mundo, 33%, enquanto a média dos países fica em 15% e não passa de 6% nos Estados Unidos. Quando o governo baixa o IPI e aumenta as vendas, arrecada mais.

As novas fábricas esperam por medidas que deem ao país mais competitividade para exportar. Isso também preocupa a Fiat?
Estamos competindo com escala. O grande desafio é o desenvolvimento tecnológico do produto, da concepção à execução. Não importa se a peça vem da Malásia, da China ou dos EUA e é montada em Singapura, pois assim é o mundo globalizado. A Apple é um bom exemplo disso.

Mas um dos objetivos do governo com o programa Inovar-Auto é estimular a produção local de componentes.
Esse negócio de índice de nacionalização é uma proteção do mercado, um dia vai acabar. Se uma empresa é competitiva, irão comprar dela em qualquer parte do mundo. Vamos montar onde for competitivo e iremos vender onde houver mercado. Essa é a tendência.

Ainda há espaço para o surgimento de uma montadora 100% nacional?
Houve várias iniciativas de empreendedores que tentaram estabelecer a indústria nacional, mas o setor exige investimentos muito altos, com retorno a longo prazo.
O país ainda não tem tamanho de mercado para tanto, ainda não há justificativa para fazer uma empresa totalmente brasileira.

A defasagem no preço da gasolina é um ponto que afeta diretamente a indústria automotiva. Como deve ocorrer a recomposição dos valores?
De forma gradual, para manter as rédeas da inflação. Mas precisa ser feito.

Quais são os principais temas que devem ser priorizados em 2015 para que o país volte a crescer?
Há pontos fundamentais, como a reforma política. Temos 30 partidos e mais de 30 ministérios. É uma equação de 900 pessoas que precisam se falar, o que é algo extremamente complicado.
Salvo honrosas exceções, é difícil identificar os posicionamentos ideológicos.
O Brasil necessita de um pacto transparente pela governabilidade. Precisamos de uma agenda nacional para os próximos 20 ou 30 anos.
Há ainda que se fazer a reforma tributária, simplificar o processo. Nos EUA, uma fábrica igual à minha tem dois funcionários para cuidar da burocracia tributária. Aqui, preciso de pelo menos 200 pessoas para fazer isso.
Outra questão importante é a reforma trabalhista. Temos uma lei obsoleta, que gera insegurança jurídica. Por exemplo, fazemos um acordo com o sindicato, mas depois a Justiça pode não aceitar o que foi acertado.

Na visão do senhor, qual candidato está mais preparado para alinhar as relações entre empresas e governo?
O próximo governo, qual seja eleito, terá de passar por um período difícil para depois acelerar a atividade econômica do país. Acredito que qualquer um dará um choque de credibilidade. O mais importante será manter o diálogo com os empresários e as entidades. Todos os candidatos têm condição de estabelecer um pacto de governabilidade transparente. O importante é que coloquem a economia no eixo, com visão de longo prazo.
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CLEDORVINO BELINI
Idade: 65
Formação: administrador de empresas pela Mackenzie, com pós-graduação em finanças pela USP
Carreira: começou na Fiat em 1973, na divisão de tratores. Após passar por diversos departamentos, assumiu a presidência da empresa em 2004
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FIAT/2013
Faturamento: R$ 23,5 bi
Lucro líquido: R$ 290 mi
Funcionários: 19 mil
Principais concorrentes: Chevrolet, Ford e Volkswagen