sábado, 20 de setembro de 2014

Desindustrialização no Brasil é precoce, avalia economista

Eleonora de Lucena - Folha de São Paulo


O Brasil vive um caso extremo de desindustrialização precoce. O encolhimento da manufatura aqui é mais agudo do que o que ocorre na América Latina, na África, na Oceania ou mesmo nos países ricos. A conclusão é de Marcelo Arend, professor de economia e relações internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina.

Para ele, o baixo dinamismo industrial no Brasil "não é problema apenas contemporâneo, mas, sobretudo, estrutural, de longo prazo". No imediato pós-Guerra, em 1947, a indústria representava 19,9% do PIB; hoje tem em torno de 13%.

A participação do setor foi de 28% no final do governo Juscelino Kubitschek (em 1961) para 33% no "milagre", em 1973, e atingiu o auge em 1985, no governo José Sarney, quando o desempenho industrial do país foi exatamente idêntico ao produto manufatureiro mundial.

José Américo Gobbo
Cifras & Letras
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A partir daí, começou a queda, acentuada nos anos 1990. Em duas décadas, a indústria de transformação perdeu aproximadamente 60% de participação relativa no PIB. Após Sarney, todos os governos foram marcados por uma desindustrialização relativa em relação ao mundo.

Arend mostra que a decadência coincide com o fim das políticas industriais, a liberalização comercial e financeira e com a sobrevalorização cambial. No exterior, o movimento foi de mudança tecnológica e de "uma nova geografia industrial, comandada por forte atuação estatal em determinados países".

Na sua visão, "uma inserção internacional menos subordinada não se daria somente pelas forças do mercado". O diagnóstico do professor da UFSC é um fruto de um minucioso estudo e está entre os destaques do livro "Presente e Futuro do Desenvolvimento Brasileiro".

Organizado por André Calixtre, André Biancarelli e Marco Antonio Macedo Cintra, a obra reúne textos de 17 economistas próximos da visão desenvolvimentista. Em análises densas, dissecam vários aspectos da economia nacional: administração pública, investimentos, finanças, agricultura, mercado de trabalho.

Logo de início, Pedro Cezar Dutra Fonseca, professor de economia e relações internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, constrói o conceito de desenvolvimentismo. Na sua definição, essa política econômica pressupõe um projeto nacional, intervencionismo e industrialização. É intencional e dentro dos marcos do capitalismo.

Avaliando vários governos latino-americanos em diferentes épocas, ele problematiza o próprio conceito, especialmente por incluir a indústria no coração do significado de desenvolvimentismo. Como exemplos históricos dessa linha, ele discute os períodos de Getulio Vargas (1951-1954), João Goulart (1961-1964), Juan Domingo Perón (Argentina, 1946-1955) Alfonso López (Colômbia, 1934-1938), entre outros.

A partir daí, a obra expõe os dilemas do desenvolvimento brasileiro recente. Discute a distribuição de renda salarial, as dificuldades para engrenar investimentos, os obstáculos para a inovação, os limites no front externo. A importância vital da ação estatal na economia é destacada nos textos.

Também são atacadas teses deferidas por neoliberais. Na área financeira, Fernando Nogueira da Costa, da Unicamp, afirma que o problema de financiamento interno de longo prazo é contrário do diagnosticado pela sabedoria convencional:

"Não era a escassez, mas sim o excesso de poupança financeira, isto é, de estoques de riqueza imobilizados em 'capital-morto' -ou 'morto-vivo', como é o utilizado em mera rolagem dos títulos da dívida pública- que levava à estagnação econômica".

Na avaliação de Maria da Conceição Tavares, "o livro promove uma oxigenação preciosa no debate brasileiro a partir da tradição crítica latino-americana em um momento crucial de nossa história". Nessa coletânea não há um único diagnóstico bem amarrado. Mas o conjunto é um bom panorama para a necessária discussão atual.
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"PRESENTE E FUTURO DO
DESENVOLVIMENTO BRASILEIRO"
AUTORES André Calixtre,
André Biancarelli e Marco Antonio
Macedo Cintra (org.)
EDITORA Ipea
QUANTO R$ 45 (e-book gratuito em www.ipea.gov.br)
AVALIAÇÃO Bom