Graça Magalhães-Ruether / graca.magalhaes@oglobo.com.br
Derramamento de sangue nos conflitos mundiais gerou um DNA pacifista alemão
BERLIM — A Primeira Guerra, onde 17 milhões morreram, tornou possível a ditadura de Hitler, a Segunda Guerra e, depois, mais de quatro décadas de Europa dividida pela Cortina de Ferro. Hoje, o passado sangrento é fonte constante de advertência. Um século depois, a Alemanha, pivô das duas grandes guerras, é o sustentáculo da integração, a locomotiva econômica da União Europeia e, sobretudo, o país onde o pacifismo está nos genes da população.
Para o historiador Guido Knopp, a lição da catástrofe foi arquivada no DNA alemão e define a política do país. Já o chanceler federal Konrad Adenauer, primeiro governante da Alemanha Ocidental após a Segunda Guerra, pagou um preço alto - a divisão alemã, o muro de Berlim - para alcançar sua meta: a integração ocidental.
O aprendizado de duas guerras foi também alicerce da política do ex-chanceler federal Willy Brandt, que comoveu o mundo ao ajoelhar-se junto ao Monumento às Vítimas da Segunda Guerra de Varsóvia. Com a sua Ostpolitik (Política do Leste), Brandt, que recebeu em 1970 o Nobel da Paz, iniciou o diálogo com o Leste, que tornou possível, mais tarde, a Glasnost e a Perestroika do então secretário-geral do PC soviético, Mikhail Gorbachev, e a reunificação alemã, duas décadas mais tarde.
- A Alemanha aprendeu com o passado e fará o possível pela integração europeia e para que, do solo alemão, nunca parta a agressividade capaz de começar um novo conflito - costumava dizer o ex-chanceler federal Helmut Kohl.
Para quase todas as famílias alemãs, a Primeira Guerra foi a concretização do nacionalismo propagado desde a guerra da França contra a Alemanha, em 1872. Quem investiga a história dos lares do país, entende porque o pacifismo é hoje uma característica dos alemães.
A maioria dos livros sobre a Primeira Guerra aponta o militarismo alemão como a causa do conflito. Mas o historiador australiano Christopher Clark revê essa teoria. No livro "Sonâmbulos", Clark afirma que a Alemanha teve sua parcela de culpa, assim como os outros países envolvidos.
Embora tenha passado a ser um Estado nacional apenas em 1871, a Alemanha era o país que mais progredia, com um boom econômico, progresso social e desenvolvimento científico igualmente brilhantes. Mesmo assim, havia uma corrida nacional aos armamentos. Não só os generais eram fanáticos pela guerra. O pintor expressionista Franz Marc dizia:
- O mundo quer se purificar, quer a guerra.
Armas mais mortíferas eram criadas. A partir de 1915, os alemães passaram a atacar os inimigos com gás, que, mais tarde, foi aperfeiçoado e usado em Auschwitz.
Clark vê com preocupação o atual contexto europeu: crise da Ucrânia e política de quase indiferença da União Europeia. A situação seria similar a de 1914, quando um atentado na pequena Sarajevo contra o arquiduque austríaco Francisco Ferdinando explodiu numa guerra mundial, traçando um paralelo sobre a falta de entendimento entre o Ocidente e a Rússia.
- O ano de 1914 serve de advertência: é grande o risco em parar o diálogo. Ainda que seja difícil, os canais de comunicação devem ficar abertos. O argumento "não temos mais tempo" é errado.