"Uma retórica perigosa", editorial do Estadão
Sem nada melhor para explicar e justificar a inflação alta, a estagnação
econômica, a piora das finanças públicas e a deterioração das contas externas, a
presidente Dilma Rousseff inventou uma estapafúrdia "guerra psicológica" de
"alguns setores" contra o governo. Se esses "setores" criarem uma "desconfiança
injustificada" em relação à política econômica, poderão, segundo ela, inibir
investimentos.
A presidente deveria ter mais cuidado com seus marqueteiros,
conhecidos pelos maus conselhos e por sua perigosa influência nas decisões -
quase sempre de inspiração eleitoreira - tomadas pelo Executivo. Mas sobra uma
dúvida: e se, desta vez, a turma do marketing for inocente de mais essa
experiência ridícula vivida por sua cliente? Nesse caso, ela deveria ter mais
cuidado com os próprios impulsos e pesar mais suas palavras, imaginando como
reagirá um espectador medianamente inteligente e razoavelmente informado.
Detalhe relevante: pesar mais as palavras antes de pronunciá-las.
Tendo abusado das palavras ao falar de guerra psicológica, a presidente foi
parcimoniosa, no entanto, quando deixou de nomear os setores perigosos para o
País e de especificar as desconfianças injustificadas. Estará incluído nesse
grupo o ministro da Fazenda? Ao falar sobre o crescimento econômico no próximo
ano, ele mencionou uma taxa superior a 2,5%, mas sem arriscar uma previsão. A
referência ao piso de 2,5% sugere um resultado nada brilhante, depois de três
anos com taxa média próxima de 2%. Ou talvez a presidente se referisse às
previsões do Banco Central (BC)?
Com juros básicos de 10% decididos em novembro e câmbio de R$ 2,35 por dólar,
a inflação anual ainda estará em 5,4% no fim de 2015, segundo o BC. Continuará
muito longe, portanto, da meta oficial de 4,5%. O banco ainda estimou uma
expansão econômica de 2,3% nos quatro trimestres até setembro de 2014. Além
disso, projetou para os próximos 12 meses um buraco de US$ 78 bilhões na conta
corrente do balanço de pagamentos, muito parecido com o calculado para 2013.
Quem estará mais empenhado na guerra psicológica contra o governo: o ministro da
Fazenda ou o Comitê de Política Monetária do BC?
Os verdadeiros inimigos, ou talvez os mais perigosos, podem estar no mercado
financeiro e nas consultorias privadas. Segundo a pesquisa Focus de 27 de
dezembro, realizada com cerca de uma centena dessas fontes, a inflação oficial,
medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), deve ter ficado em
5,73% em 2013 e poderá subir para 5,98% nos próximos 12 meses. O número final de
2013 deve ser conhecido na primeira quinzena de janeiro, mas dificilmente será
muito melhor que o indicado pela pesquisa. Quanto à projeção para 2014, é só um
pouco pior que a do cenário central do BC, de 5,6%.
A pesquisa Focus também aponta resultados muito fracos para as contas
externas, mas também parecidos com os do BC. No caso da conta corrente, a
previsão do mercado é de um déficit de US$ 80 bilhões.
A presidente pode estar especialmente aborrecida com as avaliações da
política fiscal. Essa política é marcada, segundo os críticos, pela gastança,
pelos incentivos e subsídios mal concebidos, pela promiscuidade entre o Tesouro
e os bancos federais e pelo recurso a truques para fechar o balanço do governo
central. A expressão "contabilidade criativa" tem sido usada correntemente no
Brasil e no exterior. O risco de rebaixamento da nota de crédito do País é
consequência da indisfarçável piora das contas públicas e do uso de práticas
discutíveis.
Mesmo sem o malabarismo contábil do fim de 2012, o governo tem melhorado suas
contas com enormes receitas atípicas, bem exemplificadas pelos R$ 35 bilhões de
arrecadação extraordinária de novembro. A combinação de simples aritmética e bom
senso basta para situar as contas na perspectiva correta. Será isso guerra
psicológica?
Mas o sentido mais perverso dessa expressão aparece quando se culpam "alguns
setores" pela inibição de investimentos. Esse é um velho e bem conhecido vício
da retórica totalitária: apresentar os críticos como inimigos da pátria. Falta
ver se o discurso de fim de ano terá sido o começo de uma escalada.