"O Brasil fora do jogo comercial", editorial do Estadão
As regras do jogo para os novos acordos internacionais de comércio estão
sendo criadas sem a participação do Brasil - e podem ser contrárias às posições
defendidas tradicionalmente pela diplomacia brasileira. Falando em Davos, no
Fórum Econômico Mundial, o chefe dos negociadores americanos, Michael Froman,
deixou clara a intenção de valorizar cláusulas sociais e ambientais nos acordos
em discussão neste momento.
Ele se referia aos projetos em negociação com a
União Europeia, a Parceria Transatlântica, e com países do Pacífico, a Parceria
Transpacífica. A ideia é estabelecer novos padrões, mais severos, para os
futuros tratados de livre-comércio. "Vamos elevar a barra", disse Froman, usando
uma imagem esportiva. A mensagem é inconfundível: a ideia é mudar as condições
de competição e tornar o salto mais difícil.
O governo brasileiro se opôs à inclusão de cláusulas sociais e ambientais na
Rodada Doha de negociações multilaterais, lançada no fim de 2001. Houve amplo
apoio a essa posição e os governos do mundo rico, principais defensores daquelas
cláusulas, tiveram de recuar. Mas a rodada empacou e nada importante ocorreu a
partir de 2008, apesar das várias tentativas, lideradas pela OMC, de reativar as
conversações.
Dezenas de governos continuaram, no entanto, construindo acordos bilaterais e
inter-regionais, com isso fragmentando o sistema internacional de regras. Países
grandes e pequenos participaram dessas discussões, mas o Brasil permaneceu à
margem, por uma decisão política - de fato, ideológica - de dar prioridade à
integração com os países do "Sul", uma entidade geopolítica imaginária, moldada
segundo os padrões do terceiro-mundismo.
A diplomacia econômica brasileira funcionou basicamente com duas referências
nos últimos dez anos. Um dos focos foi o multilateralismo, representado, na
prática, pela Rodada Doha. O outro foi a decisão de buscar acordos parciais
apenas com países em desenvolvimento e de aprofundar os laços com o "Sul"
idealizado.
Esses acordos foram negociados em conjunto com o Mercosul, dominado pelo
terceiro-mundismo brasileiro e pelo protecionismo argentino. Essa estratégia
também refletiu, em parte, a fantasia do presidente Lula de liderar a região.
Essa liderança ficou na retórica. O sepultamento do projeto da Área de
Livre-Comércio das Américas, promovido pelos governos brasileiro e argentino,
criou um descompasso entre o Mercosul e os países com ambições mais amplas de
integração internacional. Os poucos acordos concretizados pelo Mercosul foram
negociados com mercados pouco importantes. Os sul-americanos mais empenhados na
inserção internacional buscaram acordos com os EUA e outros países avançados.
Esses países conseguiram boas condições de acesso aos mercados mais
desenvolvidos. Ao mesmo tempo, economias altamente competitivas, como China e
Coreia, ampliavam sua participação nesses mercados. O Brasil foi um grande
perdedor. De fato, perdeu também na América Latina, onde concorrentes de outras
regiões conquistaram espaço nos últimos dez anos.
A Aliança do Pacífico, formada por Chile, Peru, Colômbia e México, tornou
mais evidente o distanciamento entre as políticas comerciais do Brasil e das
economias mais abertas da América Latina. Nesse acordo, o México faz uma ponte
entre a América do Norte e a do Sul e assume, naturalmente, uma posição de
liderança jamais conseguida pelo Brasil.
O novo governo mexicano mostra boa percepção dessas diferenças. A Aliança do
Pacífico, disse o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, é a sua plataforma
para acordos com países da América do Sul.
Fora das grandes negociações, o Brasil tem de assistir de longe, sem
possibilidade de interferência, à formação de novos critérios para acordos
comerciais. Quando a Rodada Doha novamente deslanchar - se deslanchar -, esses
novos padrões poderão estar muito mais difundidos do que estiveram até hoje. O
terceiro-mundismo requentado poderá ficar ainda mais custoso do que foi até
agora.