quinta-feira, 7 de novembro de 2024

'Trump e a desobamização da América', por Flávio Gordon

 

Donald Trump comemora vitória na eleição presidencial, no Centro de Convenções de Palm Beach, na Flórida.| Foto: Cristobal Herrera-Ulashkevich/EFE


“2016 não pode se repetir” – disse Barack Obama a um interlocutor na Casa Branca, apenas dias antes de passar a faixa presidencial para Donald Trump, em janeiro de 2017. O interlocutor era Sara-Jayne Terp, ex-agente do serviço britânico de inteligência, e que agora chefiava um grupo de “antidesinformação” intitulado Liga de Inteligência de Ameaças Cibernéticas (CTIL, na sigla em inglês).


O CTIL – cujos arquivos foram revelados pelo jornalista Michael Shellenberger – começou como um projeto voluntário e informal envolvendo cientistas de dados, experts em defesa cibernética e veteranos de serviços de inteligência, mas logo foi absorvido em projetos oficiais ligados ao Deep State americano, incluindo aqueles abrigados sob o guarda-chuva do Departamento de Segurança Interna (DHS, na sigla em inglês) dos EUA, em especial na sua Agência de Segurança Cibernética e Infraestrutura (CISA). O grupo integra o que vem sendo chamado de Complexo Industrial da Censura, e foi decisivo na campanha de perseguição política e censura que, em 2020, o conluio formado pela mainstream media, as Big Techs e o Deep State americano (servil a Obama) moveu contra Trump, impedindo a sua reeleição.

Obama nunca engoliu Donald Trump, desde que o magnata ousou contestar as suas credenciais e a suas próprias condições de elegibilidade durante a corrida eleitoral de 2008. Em abril de 2011, no jantar anual para correspondentes da Casa Branca, o então presidente americano buscou sua vingança, humilhando publicamente Trump, que estava presente na audiência, e se manteve impávido diante do deboche presidencial (ver essa reportagem do The New Yorker sobre o evento). Noutra ocasião, em um programa televisivo, Obama riu das pretensões presidenciais de Trump. Em resposta a uma crítica de Trump, segundo a qual “Obama entraria para a história como o pior presidente dos EUA”, respondeu o então presidente: “Ao menos, eu entrarei para a história como presidente”.


Obama nunca fez questão de esconder o desprezo nutrido pela história, pelos valores e pelas instituições americanas tradicionais


São compreensíveis as razões da ojeriza de Obama por Trump, e suas tentativas desesperadas de impedir sua chegada ao poder. Donald Trump é uma figura demasiado americana, até estereotipicamente americana, e as ideias de “America First” ou “Make America Great Again” representam tudo o que Obama odeia. Com efeito, se Trump encarna estética e eticamente o paradigma do americano modelo – o patriotismo, a crença na meritocracia e no esforço, a ideia de self-made man, a fé em Deus e na Providência –, Obama sempre representou o oposto, tendo sido descrito por alguns analistas como o primeiro presidente pós-americano (ou até mesmo antiamericano).

Como explica Dinesh D’Souza em The Roots of Obama’s Rage, Obama foi moldado politicamente pela ideologia “anticolonialista” da “nova esquerda” dos anos 1960, pelas ideias de radicais políticos como Che Guevara, Regis Debray, Frantz Fanon, Edward Said, Frank Marshall Davis et caterva. Seus gurus americanos incluíram nomes como Saul Alinsky e Bill Ayers, o líder do grupo terrorista The Weather Underground, que promoveu uma série de atentados a bomba nos EUA da década de 1970, sob o pretexto de lutar contra o imperialismo norte-americano.

Fiel ao paradigma anticolonialista e antiamericano de seu mestres intelectuais, Obama nunca fez questão de esconder o desprezo nutrido pela história, pelos valores e pelas instituições americanas tradicionais, um desprezo manifesto, por exemplo, na retirada do busto de Churchill do Salão Oval da Casa Branca (um gesto repetido por Joe Biden, após Trump tê-lo feito retornar ao local, em seu primeiro mandato), na recusa de levar a mão ao coração diante da execução do hino nacional americano, ou ainda no abandono do broche de lapela com a bandeira americana, uma tradição observada entre os presidentes anteriores, fossem democratas ou republicanos. Ao contrário de seus antecessores do Partido Democrata, Obama sempre negou o excepcionalismo americano, pois, de acordo com a ideologia que moldou sua persona política, os EUA foram construídos sobre o racismo, o sexismo, a intolerância e a homofobia. Não surpreende, portanto, que seus apoiadores e eleitores costumem sair por aí incendiando estátuas dos Founding Fathers.

Obama e seu grupo político mantiveram-se dentro da tradição revolucionária da esquerda: não confiam na sociedade e em sua autonomia; com efeito, desprezam-na e pretendem dirigi-la desde cima. Numa verdadeira inversão do espírito da Constituição americana, toda pensada para limitar o poder do Estado e proteger as liberdades individuais, Obama quis dar poderes ilimitados ao Estado, montando um verdadeiro Estado policial e tratando uma grande parcela da sociedade americana como inimigos internos.


Como escreveu Ben Shapiro recentemente, Donald Trump representa a rejeição a todo o mecanismo montado por Obama:


“Trump acredita que os princípios fundadores dos Estados Unidos são grandiosos. Para ele, os EUA são uma terra de oportunidades para todos – e devem ser assim. Ele não acredita no mecanismo. O mecanismo que afirma, em essência, que os Estados Unidos são inerentemente racistas, sexistas, homofóbicos e islamofóbicos. Não acredita que cidades em chamas são apenas parte do processo de encarar nosso mal inato. Que o que a América precisa é de uma ‘intifada’. Que a história da América é de uma nação corrupta e maligna, que requer a mão dura de elites no topo do governo para forçá-la à conformidade com a equidade. Que a inovação americana é um problema por ser exploradora e que a função do governo é criar igualdade de resultados, aliviando as pessoas do fardo da responsabilidade e da virtude e entregando-lhes cheques do governo. Que as famílias são pequenas câmaras de tortura cheias de valores sórdidos e desgastados, e que as igrejas são depósitos de crueldade em vez de comunidades. Que cada ser humano é apenas um conjunto de sentimentos flutuantes e que cabe a uma elite reclusa legitimá-los, a ponto de que meninos possam até ser meninas pela graça do governo. Que o poder americano no cenário mundial é, de alguma forma, ruim para o mundo e que nossos inimigos estão, basicamente, certos.”

Donald Trump é o anti-Obama. É o candidato de uma América que quer voltar a se orgulhar de sua história. Que está farta do divisionismo identitário e da política woke do pensamento. Que quer prosperar, se desenvolver, criar seus filhos tranquilamente, se relacionar espontaneamente com o próximo, rezar... Se, respondendo a um sujeito que gritara “Jesus Cristo é o Senhor” num dos seus comícios, Kamala Harris disse que ele estava no lugar errado, a sociedade americana parece ter enxergado em Donald Trump uma resposta melhor. Ao que parece, era Kamala – herdeira do antiamericanismo obamista – quem estava no país errado.



Flávio Gordon, Gazeta do Povo