Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Ocorre na Câmara dos Deputados uma verdadeira barganha em cima da Lei da Anistia. Os candidatos à presidência da Câmara, ano que vem, condicionaram pautar anistia no plenário se receberem votos da oposição para sua eleição.
Já é evidente - dentro e fora do Brasil - a injustiça contra vários presos políticos do dia 8 de janeiro. Esse é um ponto indiscutível, haja vista a condenação de pessoas comuns, humildes, que se manifestaram espontaneamente e não cometeram nenhum ato de vandalismo; estavam apenas protestando no lugar errado e na hora errada. A maioria não adentrou em prédios depredados, muito menos municiada para cometer golpe de estado.
Essa é a verdade. É claro que dentro desse grupo maior há alguns que invadiram os prédios e outros que foram além e cometeram depredação. Mas ninguém prendeu os infiltrados, possivelmente agentes enviados para gerar o caos notoriamente registrado em diversos vídeos, tanto dos manifestantes quanto das câmeras internas do Palácio dos Três Poderes.
A despeito de evidências, foi gerada uma narrativa de que 8 de janeiro seria uma tentativa de golpe de estado - sem organização, sem armas e sem líderes - e sobre essa versão foram tomadas medidas completamente antidemocráticas, inconstitucionais, ilegais e imorais para validar perseguições contra os opositores do governo de esquerda recém-eleito.
Injustiça patente: com isso, é consenso que o Brasil decaiu no conceito de credibilidade diante da opinião pública nacional e internacional. Os desmandos da justiça brasileira são tão patentes que cabem ações de parlamentares para dar uma saída de volta à justiça. Esse é o propósito da Lei da Anistia.
O projeto em si está equilibrado. O texto final do deputado Rodrigo Valadares (União-SE), é bem escrito, concede anistia a manifestantes políticos cometidos desde outubro de 2022 até o início de 2023 e exclui da anistia quem tenha cometido crimes hediondos, como latrocínios e homicídios, portanto, não é uma anistia geral, mas específica. Em suma, a anistia é para quem se manifestou politicamente, mas foi arrastado pelo tarrafo de condenações coletivas praticadas pelo judiciário.
Mesmo assim, o presidente da Câmara, Arthur Lira, atrasou o projeto da Lei de Anistia, criando uma comissão especial para tratar do assunto, sem necessidade nenhuma de fazê-lo, a não ser, a exemplo de Pôncio Pilatos, a fim de lavar as mãos e se eximir de fazer justiça, e fazer valer sua palavra ao governo e ao Judiciário que não iria pautar esse projeto em plenário da Câmara.
Dois pesos, duas medidas: curioso saber que a lei da anistia, aprovada no dia 22 de agosto de 1979, era ampla, geral e irrestrita, mesmo para criminosos que cometeram crimes graves, como assaltos a mão armada, sequestros e assassinatos, comprovadamente. À época, o projeto do governo, que foi derrotado, excluía da anistia quem tivesse cometido crime hediondo.
Hoje, os apoiadores desses que foram anistiados indiscriminadamente são a parcela que nega o perdão a inocentes. Essa é a índole das pessoas com quem lidamos diariamente no Congresso Nacional
Depois de Lira, agora vai? Ao “lavar as mãos”, Lira pretende jogar o assunto no colo de seu sucessor, na presidência da Câmara, e os candidatos estão mais nas graças do governo e do judiciário que do lado da população, que quer ver a anistia. Qual a chance desses possíveis sucessores abraçarem a pauta pela anistia quando o judiciário, que não quer pautar o projeto, tem poder de ameaça; e o governo, que também não quer pautar, tem poder financeiro? Qual o poder da oposição para contrapor essa barganha? Só a opinião pública.
A esperança é sempre a última que morre, e milagres ocorrem, mas não houve compromisso público de nenhum deles até a data desse artigo em pautar a Lei da Anistia. Nesse contexto está implícito o distanciamento de muitos parlamentares com a população brasileira, pois não há, como ser humano, como justificar uma injustiça tamanha cometida contra pessoas inocentes. Também não há, do ponto de vista político, como seguir adiante com um país sem estado de direito, sem devido processo legal sendo respeitado, enfim, sem justiça.
É justo também lembrar a injustiça contra o presidente Jair Bolsonaro, a quem mandaram assassinar. Este mesmo grupo que não quer a anistia aos presos de 8 de janeiro, também não quer investigar quem é o mandante ou os mandantes do atentado contra a vida de um presidente legitimamente eleito.
Perfil de sociopata: os presidentes de Câmara e Senado resultam de um sistema político falho, que só eleva ao cargo quem é um bom “corretor de interesses”. Podem não o ser, mas o comportamento é equivalente ao de um sociopata, oportunista, dissimulado, sem muita relevância no debate político ou na defesa do poder legislativo. São frios e distantes diante da possível destruição de vidas humanas que suas omissões ou decisões podem causar. Sua prioridade é negociar com os demais agentes do sistema e não representar a vontade popular, o que seria sua missão constitucional.
E os parlamentares, em maioria, consideram os que têm esse perfil como os mais desejáveis para conduzir o Legislativo! Lastimável. Esse ciclo só acaba com a escolha de presidentes de Câmara e Senado que queiram promover sérias reformas.
Primeiro entre iguais: em sistemas parlamentares, mais avançados e representativos, os que ascendem a cargos de liderança do legislativo são os melhores, os parlamentares mais experientes, capacitados e, acima de tudo, são LÍDERES de opinião. No Brasil observa-se seguidamente chegar ao poder legislativo o oposto: a nata que fermentou do lado obscuro do anonimato parlamentar.
Coração e alma: a nova safra de deputados e senadores da oposição dá mais esperança, pois contrários aos que protegem o sistema, eles têm coração e alma. Contrastam em absoluto com os que zombam de famílias que aguardam, aflitas, o retorno de seus parentes ou com os que negociam posições políticas oportunistas e alheias às injustiças.
Esses parlamentares, entre os quais quero me incluir, sofrem ao ver outros sofrerem e ao testemunhar um sistema político que joga contra sua população. É uma pena que esse perfil antissistema não seja maioria, pois a realidade do sistema faz todos dessa nova safra pensarem se vale mesmo a pena uma pessoa decente entrar na política e ter que jogar esse jogo criminoso.
A boa notícia é que a coisa está mudando. O tema “Anistia” se tornou batata quente. O jogo de cena da presidência da Câmara é sinal que o tema já se tornou inevitável. Há um impasse na mesa e sabemos que na política esse é o primeiro passo para se obter uma resolução.
Luiz Philippe Orleans e Bragança, Gazeta do Povo