Uma dupla medonha - Lula e Ricardo Lewandowski - Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República
“Forçoso concluir que a atuação do então juiz Sergio Moro em relação ao paciente [Lula] foi desenganadamente parcial e, ademais, empreendida com nítido propósito de potencializar as chances ou, mesmo, viabilizar a vitória de candidato de sua preferência nas eleições presidenciais, cujo governo passou, logo depois, a integrar na qualidade de ministro de Estado da Justiça e Segurança Pública.” Este trecho consta do voto de um ministro da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal no infame julgamento encerrado em 2021 e que decidiu pela suspeição do ex-juiz Moro nos processos contra Lula, ajudando a abrir caminho para que o petista ficasse livre de qualquer débito com a Justiça e pudesse disputar a Presidência da República, em 2022.
A defesa de Lula havia afirmado que o fato de Moro ter aceitado o convite de Jair Bolsonaro para ser seu ministro da Justiça no fim de 2018 atestava (ao lado de outros elementos) a parcialidade do então juiz federal, tese que também foi aceita pelo presidente da turma, Gilmar Mendes, e justificaria a anulação de todos os atos processuais por se tratar de um juiz suspeito. Pois o autor do trecho citado acaba de seguir a trilha de Moro, recebendo e aceitando o convite do agora presidente Lula para ser seu ministro da Justiça. Ricardo Lewandowski, que se aposentou do STF no ano passado ao completar 75 anos, substituirá Flávio Dino, que assumirá uma cadeira no Supremo – mas, antes de sua posse na cúpula do Poder Judiciário, fará uma breve passagem pelo Senado, para o qual foi eleito em 2022.
Que Lula faça agora, ao nomear Lewandowski, exatamente aquilo que criticou veementemente em Sergio Moro e Jair Bolsonaro é mais uma demonstração do padrão moral deteriorado do petista e de seus apoiadores
Os votos favoráveis a Lula na Lava Jato não são os únicos de Lewandowski a favor do petista ou do petismo. Como revisor do processo do mensalão, o então ministro protagonizou vários embates com o relator do processo, Joaquim Barbosa. Em 2016, ele presidiu a sessão do Senado que destituiu Dilma Rousseff, dando seu aval ao fatiamento inconstitucional da votação e permitindo que ela fosse cassada e preservasse seus direitos políticos. Mais recentemente, Lewandowski concedeu uma liminar que atrapalhou privatizações (parcialmente confirmada pelo plenário) e outra que reabriu a porteira das indicações políticas em estatais (que a corte ainda está analisando). Mas nem por isso se pretende, agora, que todos os atos de Lewandowski que favoreceram Lula e o PT, direta ou indiretamente, sejam anulados à luz de sua ida para o governo que, de certa forma, ajudou a eleger ao contribuir para a maioria que abriu espaço para a candidatura lulista.
E faz sentido que não exista tal pretensão, porque o contrário seria incorrer na falácia chamada de post hoc ergo propter hoc, e que consiste em estabelecer uma falsa relação de causalidade entre dois acontecimentos que apenas se sucedem no tempo, o que se poderia definir pela expressão “se A ocorre antes de B, é porque A é a causa de B”. Por essa ótica, Lewandowski decidiu o que decidiu, votou como votou, não porque considerasse estar fazendo o certo, mas apenas para garantir um posto em um eventual governo Lula assim que fosse forçado a deixar o STF, devido ao limite de idade. Essa análise a posteriori das intenções do magistrado não faz o menor sentido – assim como também não fazia no caso de Sergio Moro.
Que Lula faça agora, ao nomear Lewandowski, exatamente aquilo que criticou veementemente em Moro e Jair Bolsonaro é mais uma demonstração do padrão moral deteriorado do petista e de seus apoiadores, pois os casos podem diferir em alguns detalhes, mas são idênticos na essência. Os argumentos que Lula e sua defesa usaram (e que o STF acatou) para alegar que a ida de Moro para o Ministério da Justiça de Bolsonaro seriam uma comprovação de sua parcialidade se aplicam perfeitamente à ida de Lewandowski para a mesma pasta. Mas o petismo, como sabemos, só sabe avaliar atos e palavras de acordo com os personagens envolvidos, e não pelo que representam em si mesmos, o que explica o fato de a falácia lógica usada contra Moro passar em branco neste momento. Mais que incoerência, estamos diante de outro episódio que revela a enorme hipocrisia de Lula e da esquerda brasileira.
Gazeta do Povo