O deputado Ramagem está envolvido em investigação da PF que teve início em 2023| Foto: Pablo Valadares / Câmara dos Deputados
A ação de busca e apreensão que a Polícia Federal (PF) realizou na manhã desta quinta-feira (25), no gabinete e na residência do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) em Brasília, no âmbito da Operação Vigilância Aproximada, é um desdobramento de investigações iniciadas pela PF no ano passado, com o alegado objetivo de rastrear o uso de uma arma cibernética usada para monitoramento de celulares, chamada First Mile, que foi adquirida pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) durante o governo do ex-presidente Michel Temer. O próprio Ramagem investigou o uso do artefato cibernético e forneceu informações para a PF antes de ser investigado.
Ramagem, que foi o diretor da Abin durante o governo Bolsonaro, ainda não se pronunciou sobre a atuação da PF nesta manhã. No entanto, aliados afirmam que se trata de perseguição política, por causa da vinculação do deputado com o ex-presidente Jair Bolsonaro. Valdemar Costa Neto, presidente nacional do PL, ainda afirmou que a operação da PF só foi possível por falta de autoridade do Congresso.
O deputado federal Rodolfo Nogueira (PL-MS) criticou a ação, dizendo que a PF já foi “aclamada por prender bandidos, hoje presta um desserviço ao perseguir os opositores do governo Lula.”
Já os aliados governistas e opositores de Jair Bolsonaro, comemoraram a Operação. O deputado federal Carlos Zarattini (PT-SP) afirmou em suas redes sociais que sempre combateu a ação supostamente ilegal da Abin, chamando-a a de “volta da arapongagem” que desvirtua o trabalho da inteligência.
Como começaram as investigações envolvendo Ramagem
Em outubro de 2023, por meio da operação Última Milha, a Polícia Federal prendeu dois servidores e afastou cinco diretores da Abin acusados de fazer o monitoramento ilegal de telefones celulares entre dezembro de 2018 e de 2021. Na ocasião, também foram realizados 25 mandados de busca a apreensão por ordem do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes.
O artefato cibernético First Mile é capaz de monitorar em tempo real a localização de celulares e tablets conectados à internet. Ele não consegue ter acesso às comunicações, mas por sua localização é possível ter ideia dos lugares onde e quando o dono do aparelho esteve. Isso acontece sem que o dono do aparelho permita ou saiba que está sendo monitorado.
Segundo apurado pela Polícia Federal, as movimentações geoespaciais de mais de 30 mil telefones celulares teriam sido analisadas pelos técnicos da Abin com o uso do software israelense First Mile. Dessas, cerca de 1,8 mil estariam relacionadas a aparelhos pertencentes a políticos, jornalistas e adversários do governo do ex-presidente Jair Bolsonaro.
A investigação decorreu de um ofício encaminhado pela Data Privacy, uma associação brasileira que pesquisa cibersegurança e proteção de dados pessoais, à Procuradoria Geral da República (PGR) em março de 2023, solicitando investigações sobre o uso da tecnologia. À época, a Abin afirmou que o First Mile tinha deixado de ser utilizado em maio de 2021.
Ramagem não foi alvo da operação da Polícia Federal em outubro passado, quando confirmou que, ao assumir a presidência da Abin em 2019, havia solicitado uma auditoria formal em todos os contratos - o uso do First Mile foi contratado em 2018, durante o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), de uma empresa israelense de inteligência. Ainda não está claro o motivo de seu nome ter sido colocado entre os alvos da investigação agora.
Ramagem ainda afirmou que a auditoria havia gerado um pedido de correição na Corregedoria-Geral da Abin e que a operação Última Milha era resultado do “trabalho de austeridade” promovido durante sua gestão. Ramagem também destacou a necessidade de se avançar nas investigações com base em fatos, fundamentos e provas, rechaçando "falsas narrativas e especulações".
A Abin confirmou que sua Corregedoria-Geral havia concluído a correição do sistema no dia 23 de fevereiro de 2023 para “verificar a regularidade do uso” do First Mile, e que uma sindicância foi aberta um mês depois, cujas informações foram compartilhadas com a PF e o STF.
Como funciona o First Mile
Diferentemente do que ocorre com outros softwares espiões, o First Mile faz a coleta momentânea de dados sem que seja instalado nos aparelhos celulares. Ele não consegue captar informações do usuário, mas rastreia o posicionamento GPS dos aparelhos celulares em tempo real, possibilitando o registro de movimentações rotineiras ou aleatórias dos alvos de interesse.
Para tanto, os aparelhos celulares apenas precisam estar conectados a redes 2G, 3G e 4G. Os operadores do First Mile somente precisam digitar no programa o número do telefone que se deseja localizar. A tecnologia foi desenvolvida pela empresa israelense Cognyte Technologies Israel, anteriormente conhecida como Verint Systems Ltda – Israel.
Onde entram as operadoras de celular?
O First Mile atua por meio de um protocolo usado por centrais telefônicas em todo o mundo, o Signalling System Nº 7 ou sistema de sinalização Nº 7 (SS7). Esse sistema envia para as torres de telefonia as informações de sinalização de cada aparelho celular e, desta forma, permite o envio de mensagens e a realização de chamadas para o telefone certo, assim como o funcionamento em roaming.
Por meio de uma mensagem chamada Any Time Interrogation, o SS7 localiza o número de identificação (ID) da célula da rede telefônica na qual o celular se encontra em qualquer momento. Esse ID permite saber a latitude e longitude do aparelho por meio de bancos de dados de geolocalização disponíveis comercialmente.
A princípio, as mensagens Any Time Interrogation foram criadas para serem usadas internamente pelas operadoras, mas não há barreiras ou bloqueios dessas informações quando o pedido vem de operadoras de outro país ou de softwares como o First Mile, por exemplo.
Deste modo, o dispositivo de localização que era para ser usado tanto entre duas operadoras, quanto dentro de cada uma delas, acabou servindo também para o rastreamento de programas como o First Mile, que podem interagir com redes de telefonia em qualquer lugar do mundo.
Uso por forças de segurança e no combate ao crime
Em entrevista à Gazeta do Povo em outubro de 2023, o perito em crimes digitais Wanderson Castilho, afirmou que ferramentas como o First Mile têm se tornado cada vez mais úteis no combate ao crime.
“As forças de defesa e de inteligência precisam estar a frente do crime. Elas precisam ter ferramentas para que consigam fazer seu trabalho de forma efetiva”. A fim de evitar e coibir o uso do aparelho para práticas ilegais, como no caso de perseguições políticas, o First Mile é auditável, pois é possível rastrear como foi usado, quais celulares monitorou, etc.
Além disso, a empresa fabricante do First Mile afirma que o programa somente é disponibilizado para outros governos com a finalidade de defesa, limitando o acesso de empresas e outras instituições a essas aplicações.
Roberta Ribeiro, Gazeta do Povo