contra si próprio, Bolsonaro
conta com a incompetência
de seus inimigos para
continuar protegido
Todas as vezes que aparece uma crise no governo do presidente Jair Bolsonaro — e a cada quinze minutos aparece uma —, é bom esperar um pouco antes de concluir alguma coisa. A última calamidade, essa do complexo envolvendo a demissão do ministro Sergio Moro, a troca de comando na Polícia Federal e as ordens do STF (ou do ministro Alexandre de Moraes) a respeito, parece estar seguindo a trilha de todas as outras.
Depois do grande incêndio que, desta vez, iria enfim destruir a floresta, a fumaça já está se desfazendo e a floresta continua lá, no mesmo lugar. Dias atrás, a sangrenta demissão de Moro prometia, segundo o noticiário político, ser a sepultura de Bolsonaro — e talvez, até mesmo, levar a uma denúncia contra ele por crimes previstos no Código Penal. Hoje a história toda já está desbotada, e o nome “Moro” vai aparecendo cada vez menos nas primeiras páginas e no horário nobre da TV. Alguém se lembra do ministro Luiz Mandetta? Pois é.
Mais uma vez na história do Brasil um rigoroso inquérito para apurar toda a verdade, doa em quem doer, caminha para ser apenas isso mesmo — um “rigoroso inquérito”, que por um momento brilha, depois de leve oscila e acaba caindo silenciosamente no arquivo morto. No caso, o país foi posto diante de uma apavorante investigação para descobrir se o presidente da República havia cometido crimes no exercício da função — por pressionar Sergio Moro, segundo as suspeitas, a fazer coisas que não deveria, enquanto estava no governo.
O ex-ministro, segundo sua própria versão, não aceitou o assédio de Bolsonaro e por isso pediu demissão do cargo. Dias atrás, num clima de véspera do Juízo Final, Moro foi ouvido no inquérito aberto para descobrir tudo. Falou durante oito ou nove horas seguidas — e, no fim de todas as contas, o que realmente sobrou foi a declaração formal do ex-ministro de que ele mesmo, Sergio Moro, nunca disse que o presidente tinha cometido crime algum em seu relacionamento de quinze meses no governo. É isso, então?
Ele deve saber o que está fazendo — foi juiz na Justiça criminal durante toda a vida, comandou a Operação Lava Jato, absolveu réus que julgou ser inocentes e condenou outros a penas de prisão fechada, a começar pelo ex-presidente Lula.
Não havendo nem crime nem vítima, o que sobra é um amontoado de papelório escrito em português atroz, com uma sintaxe tão massacrada que torna certos trechos do depoimento incompreensíveis, mensagens de WhatsApp que ninguém mais vai ler, gravações, áudios, vídeos e tudo o mais que compõe os detritos de uma investigação criminal de nossos dias. Virão, agora, os depoimentos de ministros de Estado que despacham no Palácio do Planalto, de delegados de polícia, de altos e baixos burocratas — enfim, a história de sempre. No fim acabará ficando tudo na mesma.
O desdobramento natural da “crise Moro” — a nomeação de um novo diretor da Polícia Federal e a extraordinária decisão do ministro Alexandre de Moraes de proibir o nome escolhido pelo presidente da República — parece, igualmente, ter caído em exercício findo. Bolsonaro, em vez de reclamar da violação de seu direito constitucional de escolher o diretor da PF, nomeou um outro, igual ao primeiro. Para quê, então, todo esse tumulto, choro e ranger de dentes?
Seus próprios colegas de STF disseram, publicamente, que não cabe ao Poder Judiciário intervir num ato do Poder Executivo que é praticado de forma legal. É claro que não: foi um surto, aplaudido de pé pelos inimigos de Bolsonaro num primeiro momento, mas anulado pelas realidades logo em seguida. Resultado: soma zero.
O governo Bolsonaro vai muito mal. Já demitiu sete ministros em quinze meses, prova de que o presidente não sabia o que estava fazendo quanto os nomeou, e nem os nomeados sabiam o que estavam fazendo quando aceitaram. Bolsonaro vive frequentemente num passeio ao acaso, ouvindo palpites de gente que não tem nenhuma responsabilidade pelo trabalho de governar, envolvido em histórias ruins com a família, e por aí afora. Nos últimos dias, ainda em plena ressaca da demissão de Moro, já arrumou encrenca com a ministra da Cultura, a atriz Regina Duarte. Que importância poderia ter uma briga dessas?
Com todo o mal que constrói contra si próprio, porém, Bolsonaro conta com a decisiva incompetência de seus inimigos para continuar protegido. Eles não têm um plano para tirá-lo de onde está. Não têm um programa de governo para competir com o seu. Tudo o que fazem é bloquear as ações da Presidência — sem ganhar nenhum apoio do público por conta disso. Quantos votos vai lhes render, por exemplo, a derrota das propostas de redução ou congelamento dos salários do alto funcionalismo?
O presidente não está tendo de enfrentar uma oposição de verdade. O que enfrenta é vaia de arquibancada. Faz barulho, mas não muda o resultado que está no placar.