domingo, 23 de setembro de 2018

Risco com PT seria maior do que com Bolsonaro, diz ex-BC

Ex-diretor do Banco Central e sócio fundador da gestora de investimentos Mauá Capital, Luiz Fernando Figueiredo diz que os riscos que a volta do PT ao poder representaria são maiores do que os de um eventual governo Jair Bolsonaro (PSL). 
Na sua opinião, o programa apresentado pelo petista Fernando Haddad na corrida presidencial demonstra falta de preocupação com a situação frágil das contas do governo e por isso alimenta desconfiança entre os investidores. 
Bolsonaro, ao contrário, reconhece a gravidade do problema e tem uma equipe preparada para combatê-lo, diz Figueiredo, que minimiza sinais de desencontro entre o candidato e seu principal assessor econômico, Paulo Guedes. 
Na foto, o economista Luiz Fernando Figueiredo, 54, dá entrevista em seu escritório. Ele foi diretor de política monetária do Banco Central de 1999 a 2003, é sócio fundador e principal executivo da Mauá Capital, que administra R$ 6 bilhões em investimentos
O economista Luiz Fernando Figueiredo, 54, foi diretor de política
monetária do Banco Central de 1999 a 2003, é sócio fundador e 
principal executivo da Mauá Capital, que administra 
R$ 6 bilhões em investimentos - Rafael Hupsel/Folhapress
Na semana passada, Bolsonaro desautorizou uma proposta apresentada pelo economista a investidores, que incluía a criação de um imposto sobre transações financeiras parecido com a antiga CPMF. 
Figueiredo também não vê perigo de ruptura das regras do jogo democrático com uma vitória de Bolsonaro, que foi apontado como uma ameaça à democracia brasileira pela revista britânica The Economist, bastião do liberalismo.

Por que a eleição presidencial inquieta os investidores? 
A situação fiscal do país é insustentável. Corrigir o problema exigirá um esforço que só dará resultado se houver firmeza desde o início. A confiança só voltará quando a sociedade se convencer de que estamos no caminho da estabilidade.
O país está parado faz cinco anos, e ninguém vê nada no horizonte no longo prazo. O pressuposto é que o próximo governo fará o ajuste necessário, porque será inevitável. Como hoje há muita dúvida sobre o que vai acontecer, a bolsa cai, o dólar sobe. 
O problema é que há duas vertentes no debate eleitoral. A maioria dos candidatos reconhece que o problema existe e precisa ser resolvido, e oferece diferentes soluções. A outra vertente, que é a do PT, diz que o problema fiscal não existe, que é só estimular o crescimento que tudo se resolverá.
Jair Bolsonaro promete acabar com o déficit público em um ano. Geraldo Alckmin (PSDB), em dois. Esse irrealismo não preocupa também?
Candidatos em campanha sempre exageram. É normal. O que incomoda é ver um candidato recusar o diagnóstico correto, como Haddad. E todas as pessoas no seu entorno na mesma linha, achando que não há nenhum problema.
Eles dizem que vão aumentar o crédito e estimular os investimentos e o consumo. Como assim? Os bancos públicos estão com vários problemas. É como dar veneno ao paciente. Não adianta fantasiar, como a presidente Dilma Rousseff fez em 2014. Cinco minutos depois de ser reeleita, quis atacar o problema que escondeu na campanha e não conseguiu.
Haddad distanciou-se do economista mais heterodoxo do PT e admite a necessidade de ajuste na Previdência. Esses acenos não convencem?
É aquela história. Você tem um funcionário fazendo corpo mole, dá uma chance para ele melhorar o desempenho e ele não se corrige. Aí você cansa, resolve demiti-lo e ele diz que agora vai mudar completamente. Dá para acreditar? 
Mas os petistas não estão fazendo corpo mole. Eles estão na oposição agora.
O programa de governo que eles apresentaram faz um diagnóstico errado e aponta na direção errada. Agora, a duas semanas da eleição, o candidato sugere que vai ser diferente. Como acreditar? Não vai funcionar.
Se o programa apresentado na campanha aponta o caminho errado e depois o presidente quer mudar, precisa ser um deus para mover o partido, a base de apoio no Congresso, em outra direção. Foi o que Dilma tentou fazer após ser reeleita em 2014. Não deu.
Em 2002, Lula deu uma guinada, se elegeu e foi bem sucedido.
A diferença é que a situação da economia é muito pior hoje e o PT está no caminho oposto. Na campanha de 2002, Lula mudou a direção do partido meses antes da eleição e logo começou a buscar interlocução com o governo Fernando Henrique Cardoso. Não é o que ocorre agora.
O ajuste que o próximo presidente precisará fazer não será fácil. Ele terá que cortar gastos e não poderá aumentar suas receitas, porque a sociedade não aguenta mais a carga tributária. Não vejo o PT preocupado com isso. É difícil dar a eles o benefício da dúvida.
Bolsonaro é convincente para os investidores?
Ele diz claramente que há um problema, desde o início da campanha. Apresentaram um programa de governo, e agora sua equipe está discutindo os detalhes.
O que se vê ao redor dele é uma confusão. Os filhos não se entendem com o vice, o general Hamilton Mourão, e todos desautorizaram Paulo Guedes quando seu plano para os impostos veio à tona. Como confiar? 
A turma envolvida com eles é de primeiríssima linha. Sabem exatamente o quê e como fazer. A equipe ainda está em formação, aprendendo a trabalhar junto.
De quem o sr. está falando?
Guedes é o único assessor que aparece em público, mas tem evitado debates e entrevistas. Sim, mas é normal. Ele já disse publicamente que há entre 30 e 40 pessoas com ele.
O sr. os conhece?
Conheço. Estive com vários. Vimos a evolução deles. Tinham um plano mais conceitual lá atrás e agora estão formulando propostas, conversando com a Fazenda. É uma construção. 
Pode nomear alguém?
Prefiro não falar. Mas tive contato com várias dessas pessoas, e todas são muito boas. Não tem dono da verdade. Estão em busca da melhor solução. 
Bolsonaro teria apoio no Congresso, sem ter partido forte nem aliados? 
Quando a pessoa diz que o Brasil tem esse problema e é eleita com um programa para resolvê-lo, é muito difícil para o Congresso dizer não. Todos sabem que temos um problema nas contas públicas. O Congresso sabe.
A revista The Economist afirma que Bolsonaro é uma ameaça à democracia.
O receio é meritório, mas é uma questão de opinião. Não acredito em rompimento das regras do jogo democrático. Está para nascer a pessoa que conseguirá fazer isso. O Congresso não vai deixar. É só lembrar o que aconteceu nos governos do PT. 
A que o sr. se refere? O general Mourão chegou a admitir a possibilidade de autogolpe. O PT nunca sugeriu algo parecido.
Tentaram restringir a imprensa, ameaçaram tomar várias medidas de controle. Nada foi para frente, porque o Congresso não permitiu. E como alguém que é parlamentar há 20 anos, como Bolsonaro, pode ser considerado antidemocrático? 
Cada candidato no fim é uma espécie de caricatura. Sempre tem muito exagero no que as pessoas falam na campanha. E tem também o que a oposição faz para colocar um selo na pessoa, dizer que ela é assim ou assado. O que a pessoa será, a gente vai ver.
O PSDB também aponta o perigo de uma guinada autoritária. O mercado subestima esse risco?
Todos sabem muito bem quais são os problemas que estamos enfrentando e os preços já embutem um prêmio substancial de desajuste, de descontinuidade. O mercado já projeta a necessidade de uma alta dos juros lá na frente. O risco de um governo Bolsonaro é bem pequeno. 
Uma vitória da direita enfraqueceria forças políticas de centro como o PSDB. Ele fará falta?
Votei no PSDB minha vida inteira. Se ficarem fora do segundo turno e apoiarem o PT, nunca mais votarei neles. Desde o fim do governo Fernando Henrique, o partido só nos surpreendeu negativamente. Nunca foi oposição de fato e votou contra coisas que sempre defendeu. 
Se ele perder expressão e for engolido agora, é porque não fez a coisa certa. Mas o buraco será preenchido de alguma maneira. Parte da população que não se identificava com os tucanos na oposição se identificou com Bolsonaro. Ele soube ocupar esse espaço.

Ricardo Balthazar, Folha de São Paulo