sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

João Pereira Coutinho: "O novo populismo é um produto de jovens idiotas e adultos covardes"

Folha de São Paulo


Li poucos dias atrás que alunos de jornalismo da City University, em Londres, barraram certos jornais de poluírem os ares do departamento. O "Daily Mail" ou o "Daily Express", para citar apenas dois, fomentam o "fascismo, a tensão social e o ódio na sociedade" —e as crianças, que serão jornalistas, não querem ser expostas a tanta violência.

O caso não tem nada de anormal. Todas as semanas, para não escrever todos os dias, lá aparece mais uma notícia sobre a boçalidade dos jovens em ambientes acadêmicos. Podem ser alunos de direito que não querem ouvir falar de "violação". Ou alunos de literatura que não toleram referências a "negros" em certas obras. O "direito à segurança" é mais importante do que o conhecimento e a maturidade.

Perante esses cenários, a minha pergunta é sempre a mesma: e os professores? 

Que atitude têm os professores quando as crianças tomam de assalto a instituição?

No caso da City University, a diretora da faculdade condenou a histeria dos alunos. Mas não é difícil imaginar que essa sensibilidade para a histeria foi tolerada, e até incentivada, nos múltiplos casos que vou lendo com espanto e repulsa.

A pergunta, naturalmente, mantém-se: por quê?

Nelson Rodrigues já respondeu há muito. Por razões profissionais, passei os últimos tempos com as crônicas do "reacionário". Foi bom relê-las —estilisticamente falando. Mas é preciso reconhecer, sobretudo e acima de tudo, que Nelson Rodrigues foi um "profeta". Meio século atrás, ele já escrevia sobre a cultura abjeta que elevou o "jovem" a patamares insanos.

Não direi, como Nelson Rodrigues dizia, que o "jovem" só tem dois caminhos: ser um Rimbaud ou um idiota. Como professor, conheço vários exemplares da espécie bem mais inteligentes e civilizados do que muitos adultos.

Mas entendo a observação: atribuir à "juventude" uma virtude particular é uma rendição moral e intelectual de adultos covardes —os "compreensivos", como escrevia Nelson Rodrigues com sarcástico desdém.

Infelizmente, essa "compreensão" tem consequências. Uma delas, que escapou ao sábio Nelson, encontra-se hoje nas pobres sociedades democráticas do Ocidente. 

Melhor dizendo: na forma arrogante e cega como uma (falsa) "elite" intelectual é incapaz de entender as inquietações mais básicas de pessoas reais. Talvez porque essas inquietações provocam "desconforto" no mundo seguro e higienizado dos "compreensivos" e seus discípulos.

O medo do terrorismo islâmico; da imigração irrestrita; da mera criminalidade quotidiana —tudo isso é desprezado pela agenda dos "compreensivos". E as massas, que insistem em falar dos assuntos, são metralhadas com as munições conhecidas: racistas, atrasadas, iletradas.

Irônico. Se os "compreensivos" tivessem lido o "Daily Mail" ou o "Daily Express", teriam encontrado, mesmo que de forma rude, alguns sinais importantes da realidade. Sinais que merecem atenção, não desconsideração. Mas quem deseja conhecer a suja realidade quando é possível criar uma realidade alternativa?

O problema é que a suja realidade não desaparece só porque não gostamos da paisagem. Ela emerge sazonalmente para consagrar o líder "populista" que soube ler o "Daily Mail" e o "Daily Express" sem tapar o nariz. Ou, pelo menos, tapando só uma narina.

A esse respeito, aplaudo Simon Jenkins, um dos raros casos de inteligência no insuportável "The Guardian", quando escreve sobre os "compreensivos": "Eles vêem autoritarismo nos outros, mas não neles próprios. Eles vêem discriminação nos outros, mas não a sua própria discriminação. Protegendo as suas tribos preferidas, eles falham o teste definitivo da democracia: a tolerância pelas preocupações daqueles com quem discordam." Aplausos, aplausos.

Depois da vitória de Donald Trump, a Europa treme com o futuro da França, da Itália, da Holanda —em suma, do continente inteiro. O tremor é justificado.

Mas é importante dizer que o triunfo do novo populismo só foi possível pela ignorância dos jovens idiotas e pela compreensão dos adultos covardes.