quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Zeca Camargo: "Paris sempre vai seduzir o viajante"

Folha de São Paulo



Folha de São Paulo

Como esquecer uma rua batizada com o nome de um pássaro tão inesperado? 

Mais de 30 anos depois de ter circulado por ela inúmeras vezes, lá estava eu novamente, pescando memórias naquela calçada escura, sem nenhum charme particular.

Naquela manhã fria de outono, o sol mal aparecia entre os blocos de prédios com seus cinco ou seis andares, como mandou um dia o projeto urbano dessa capital. Mas por dentro eu estava iluminado de saudades da primeira vez que cheguei aqui: na rue du Pélican, Paris.

É a minha segunda vez na cidade, é verdade. Mas depois de uma estreia bem escoltado por primos e tios, eu só considero que de fato comecei a explorar Paris quanto voltei pra lá, dois anos depois.

Cheguei só com uma mochila (e mais um amigo dos tempos da faculdade com quem gosto de viajar até hoje) e entrei no que, naqueles tempos, no começo da década de 1980, era conhecido como um albergue da juventude –no número 8 da rue du Pélican.

Hoje existe lá um certo Hotel de Lille, cuja fachada não bate muito com o registro que eu tenho do lugar onde fiquei na juventude. Diante da minha lembrança –uma modesta recepção e quartos escuros com até seis beliches–, o Lille é quase um Ritz, o templo da hotelaria de luxo, não muito longe dali.

Muita coisa mudou em mais de três décadas. O próprio Ritz, que anos depois (quem diria) me recebeu numa noite de extravagâncias, acaba de passar por uma enorme renovação. E o Louvre, certamente o primeiro lugar para onde corri depois de deixar minha bagagem no quarto, em 1982, nem dava sinais de que teria aquela pirâmide.

Paris não tinha ainda o Vélib, o pioneiro sistema de bicicletas compartilhadas. E bem antes do Navigo, o "passe livre" do transporte público de hoje, a solução para circular pelo metrô sem pagar muito era a Carte Orange.

Mas tanto então como agora o que não mudou foi a capacidade de Paris de nos seduzir com o descomplicado encanto de suas ruas. Lá aprendi que andar por uma cidade onde você não vive é conhecê-la como um amante, com intimidade, mas sempre de passagem. E foi por isso que escolhi Paris para ser o primeiro destino numa série de guias que acabo de lançar: "Eu Ando Pelo Mundo". Mas quando falo que escrevi um guia eu sinto que devo me corrigir.

O que juntei ali são histórias da cidade, como essa da rue du Pélican, por onde eu começo o passeio no livro –que é digital, e por isso mesmo tem uma vantagem: todas as informações de que você precisa de um lugar que eu cito estão a um clique da sua tela virtual.

São relatos muito pessoais, que cobrem apenas o terreno das minhas lembranças. 

O que faz dele talvez não um guia completo, mas um roteiro rico em conexões com meu passado na cidade. E com o presente: justamente porque é um guia virtual, posso atualizá-lo a qualquer momento, assim que descobrir um lugar novo que eu quero te sugerir para visitar.

E são tantos esses lugares... Do crepe que eu comia como se fosse um suflê refinadíssimo ali ao lado do Café Beaubourg ao novíssimo restaurante do meu amigo Simone Tondo, um dos mais celebrados da nova geração da cozinha parisiense. Simone era do antigo Roseval, um lugar que já celebrei aqui mesmo neste espaço, quando fechou suas portas no ano passado.

Mas, como tudo na capital francesa, essa é mais uma reinvenção das suas ruas por onde sempre quero andar, em passeios que, a partir de agora, eu te convido para vir comigo. Para você ter certeza de que chegou ao seu destino não porque uma voz mecânica de um GPS te avisou, mas pelo simples fato de você olhar em volta e se conectar com a beleza deste mundo.