segunda-feira, 24 de outubro de 2016

"Regime aprofunda ruptura com democracia na Venezuela", editorial de O Globo

Suspensão do referendo revogatório do governo de Nicolás Maduro pela Justiça aparelhada configura golpe de Estado e deixa oposição sem opção institucional


As sucessivas medidas antidemocráticas do governo venezuelano e de seus braços institucionais não dão margem a dúvidas: a Venezuela é hoje uma ditadura. Todos os ingredientes de um regime fechado e autoritário estão, na prática, em vigor no país: falta de liberdades, desrespeito aos direitos eleitorais da população, repressão contra manifestantes, prisão de líderes da oposição e anulação de medidas do Legislativo por um Judiciário que atua mais como devoto do chavismo do que como um Poder republicano independente subordinado à Constituição.

A ação mais recente foi a anulação, pelo Conselho Nacional Eleitoral, da coleta de assinaturas para o referendo revogatório, que teria início na próxima quarta-feira, o que levou a Assembleia Nacional a declarar que o governo de Nicolás Maduro deu um golpe de Estado. O Tribunal Supremo de Justiça também proibiu que representantes da oposição saiam do país. Estas ações mereceram o repúdio de países vizinhos, inclusive dos sócios do Mercosul, que colocaram o status democrático da Venezuela sob escrutínio. E, ao que tudo indica, o pleito de Maduro para se tornar membro pleno está fadado ao infortúnio, por desrespeitar a cláusula democrática do bloco.

O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, divulgou nota esta semana, afirmando que Maduro perdeu “toda sua legitimidade ao deixar o povo venezuelano sem direitos eleitorais”. Já o Papa Francisco aproveitou a visita do presidente venezuelano ao Vaticano, ontem, para revelar sua preocupação, diante da “situação de crise política, social e econômica” que assola o país, e cobrar uma saída pacífica e negociada. O Pontífice exortou Maduro a buscar “o diálogo sincero e construtivo” com a oposição.

O governo venezuelano, porém, vem sistematicamente fechando os canais de diálogo com a sociedade, preferindo se apoiar em uma estrutura de Estado aparelhada, que governa sem Legislativo e reprime a oposição com forças de segurança e milícias bolivarianas. Mas o sistema político inaugurado por Hugo Chávez em 1999, apesar de uma nítida inclinação autoritária, manteve características ambíguas, que foram se tornando cada vez mais autocráticas, à medida que o regime fracassava em todas as frentes.

Com a suspensão do referendo revogatório, Maduro acabou com o hibridismo do regime. E as alternativas que se colocam agora para a população — já atormentada por uma crise de desabastecimento generalizado, hiperinflação e altos índices de violência — não são nada auspiciosas.

A oposição promete resistir e lançou o movimento Ocupa Venezuela, de protesto permanente. Mas uma manifestação na Universidade Central da Venezuela foi reprimida ontem pela Polícia Nacional Bolivariana. Enquanto isso, centenas de venezuelanos invadem as nações vizinhas, inclusive o Brasil, para fugir da pior crise da História do país. 

Os prognósticos são pessimistas. Por isso, é preciso vigorosa pressão diplomática.