terça-feira, 27 de setembro de 2016

‘Cuidado com o bolso !’

Ricardo Brandt, Julia Affonso, Fausto Macedo e Mateus Coutinho - O Estado de São Paulo

Aviso foi de executivo para Marcelo Odebrecht, em 2008, antes de encontro com suposto agente público em que tema seria apoio para campanha; empreiteiro respondeu que 'pergunta' era se havia algo que ele pudesse 'buscar com ele ou com o partido que possa gerar mais recursos'

cuidado bolso
No dia 24 de janeiro de 2008, o empreiteiro Marcelo Bahia Odebrecht informou um executivo do grupo que teria encontro com “Neto” para um possível “apoio para evento”. A Operação Lava Jato identificou que “evento” era o termo usado no departamento da propina da empresa para campanha eleitoral.
“Algo que desejam comentar ?”, questiona Odebrecht, a João Antônio Pacífico Ferreira, diretor da empresa.
“Cuidado com o bolso !”, responde o executivo.
Como resposta, ouviu de Odebrecht: “a pergunta é se tem algo que eu possa ‘buscar’ com ele ou com o partido que possa gerar mais recursos?”.
O conteúdo da troca de e-mails foi anexada em um documento da 35ª fase da Operação Lava Jato, deflagrada nesta segunda-feira, 26, que levou para a cadeia o ex-ministro da Fazenda e Casa Civil Antônio Palocci – nos governos Lula e Dilma Rousseff, respectivamente.
“Em razão da pergunta de Marcelo Odebrecht, João Ferreira brincou para que Marcelo tomasse ‘cuidado com o bolso’, em referência a possibilidade de que o agente político com o qual ele se encontraria poderia pedir valores vultosos a título de contribuição para campanha eleitoral”, registrou o delegado da Polícia Federal Filipe Hille Pace, da equipe da Lava Jato.
evento marcelo dinheiro
Propina eleitoral. A PF considera que Odebrecht – que negocia acordo de delação premiada, em que pretende admitir caixa 2 eleitoral, condicionava as doações a benefícios em obras. Na interpretação do delegado, “na sequência, Odebrecht esclareceu que desejava saber de seus executivos se eles vislumbravam algum benefício a ser ‘buscado’ diretamente com o agente político ou com sua agremiação política e que ‘gerasse mais recursos’ para a Odebrecht, ou seja, para que obras e outros serviços fossem direcionados ao grupo empresarial”.
“Em outras palavras, Marcelo Bahia Odebrecht condicionaria o apoio financeiro para a campanha política ao apoio e interferência futura do agente político em obras e serviços de sua esfera.”
Palocci foi o alvo central da 35ª fase. Seu nome na planilha das propinas da Odebrecht era identificado como “Italiano”. Em uma contabilidade da empreiteira localizada pela Lava Jato há o registro de R$ 128 milhões em supostos repasses ao PT, via seu contato com os executivos do grupo.
odeb caixa 2
O dinheiro seria repassado por uma complexa rede de contas offshores e operadores financeiros que atuariam para a Odebrecht. A secretária do Setor de Operação Estruturadas – o departamento da propina, segundo investigadores – confessou a prática de ilícitos e deu as pistas sobre o caminho do dinheiro e as pessoas ocultas com uso de siglas.
Para o delegado, esse e-mail seria uma prova de que para Odebrecht, “a  promessa ou o oferecimento do pagamento, mesmo que a título de contribuição ilegal para campanhas – ‘caixa 2’ –, travestia-se em verdadeiro ato de corrupção ativa, uma vez que o ato – de prometer ou oferecer – se dava em razão de atos de ofício que poderiam vir a ser
praticados pelos agentes no exercício de seus mandados públicos”.
“Tal conclusão, vislumbrada ao longo de diversos fatos criminosos apurados na assim denominada Operação Lava Jato, reforça, novamente, que o sistema de financiamento eleitoral do Brasil propicia e incentiva que as doações, mesmo as consideradas legais, por parte de empresas e pessoas que contratam com o Poder Público foram e são realizadas, em seu âmago, para buscar apoio indevido e criminoso dos agentes políticos em contratos de obras e serviços sob suas esferas de interferência.”
estrutura contas odeb

Cumpre ressaltar, pela técnica necessária, que o crime de corrupção ativa e passiva –
travestido, na grande maioria das vezes, de apoio financeira a campanhas eleitorais – não exige, para sua
consumação, a efetiva prática do ato de ofício, sendo tal conduta prevista, em ambos os crimes, como
causa de aumento da pena.
As mensagens acima revelam, de maneira robusta, que os pagamentos de vantagem
indevida, muito embora vinculados, em sua grande maioria, a obras específicas, também guardavam
relação direta com a garantia de que a ODEBRECHT seria beneficiada ou haveria interferência em seu
favor em para consecução de diversos contratos públicos.