quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Será que Dilma fez como Ulisses e amarrou as próprias mãos no mastro?

Com Blog Rodrigo Constantino - Veja




Em Odisséia, de Homero, conhecemos a saga de Ulisses contra a sedução do canto das sereias. Ciente do poder de encanto das sereias, que atraíam os barcos para as rochas e acabavam os naufragando, devorando os tripulantes em seguida, Ulisses teve a ideia de colocar cera no ouvido de sua tripulação.
Contudo, resolveu ficar com os ouvidos descobertos, para conhecer o poder das sereias. Só que resolveu amarrar as próprias mãos no mastro do navio, e deu ordens para que os marinheiros não o soltassem em hipótese alguma.
Trata-se de uma excelente lição sobre os subterfúgios que encontramos, com base em nossa razão, para superar as fraquezas humanas. Conhecendo nosso próprio ponto fraco, podemos criar mecanismos externos de controle, limitando o estrago de nossas paixões.
A mitologia grega vem à mente quando penso que Joaquim Levy deve ser confirmado ainda hoje como novo ministro da Fazenda. Será que Dilma teve a sabedoria de Ulisses e amarrou as próprias mãos no mastro, para não cair na tentação do canto da sereia populista?
É cedo para dizer. E concordo com Alexandre Schwartsman, quando escreve, em sua coluna de hoje na Folha, que a autonomia acordada com o novo ministro não deve ser plena, caso contrário Luiz Trabuco, o presidente do Bradesco, teria aceitado o convite feito antes a ele.
Dilma pode estar confessando timidamente o fracasso da “nova matriz macroeconômica”, mas é muito precipitado assumir que ela compreendeu a dimensão do problema. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que foi ela a principal culpada pela trapalhada:
Muito embora o futuro ex-ministro da Fazenda e sua arrebatadora equipe tenham responsabilidade direta pelo insucesso, deve ser claro que esta se limita à execução da malfadada política econômica, ou seja, à de fantoches que jamais almejaram virar meninos de verdade. Não há dúvida de que a formulação do fiasco emanou diretamente da presidente, cujas opiniões equivocadas sobre a economia são de conhecimento geral e amplamente comentadas neste espaço.
Em razão disso a presidente enfrenta um problema difícil: como convencer o distinto público acerca de sua firmeza de propósito no que se refere à mudança de rumo do país?
A única forma seria não ter uma marionete na Fazenda, alguém que gozasse de alguma credibilidade do mercado, dos investidores. Lula sabia que somente um nome do próprio mercado poderia acalmá-lo, e por isso fez tanta pressão.
Além disso, pretendia, com isso, amarrar as mãos da presidente, pois uma eventual demissão seria um tiro no próprio pé. O que Schwartsman chamou de ameaça de “destruição mútua”. Um Henrique Meirelles, por exemplo, não poderia ser demitido por Dilma sem uma catástrofe nos mercados.
Com Trabuco provavelmente seria a mesma coisa. Será que com Joaquim Levy ocorre o mesmo? Schwartsman não parece convencido, e estranha o fato de que Trabuco não tenha aceitado. Diz ele:
Parece-me que o cerne da discussão -como não poderia deixar de ser- refere-se à real extensão do poder ministerial. Trabuco, no meu entender, teria recusado o cargo por não ter garantias suficientes quanto à sua autonomia.
Caso esteja certo a esse respeito, seriam também remotas as chances de que a presidente tenha oferecido condições mais vantajosas a Levy do que as apresentadas a Trabuco. A autonomia do ministro, no caso, terá mesmo que se equilibrar no delicado balanço da “destruição mútua”, base muito frágil para assentar o futuro do país, considerados os estragos dos últimos anos.
Há muito a fazer para corrigir o rumo, mas tudo indica que a presidente ainda não se deu conta do tamanho da encrenca. 
A lógica faz todo sentido. Levy é o “second best solution”, como diriam os próprios “chicagoanos” como o futuro ministro. Alguma autonomia ele terá, sem dúvida, ou não aceitaria o cargo. Mas não a mesma que Meirelles ou Trabuco exigiriam. Tampouco causaria o mesmo pânico no mercado se fosse demitido, pois os investidores não estão completamente seguros dessa autonomia.
Ou seja, Dilma amarrou as próprias mãos no mastro, mas com um barbante fininho e um laço de criança. Ainda não está convencida de que precisa fazer um nó cego com uma corda de verdade, a ponto de ficar impossibilitada de alterar o rumo do barco, seguindo o canto da sereia.
Apenas acenou nessa direção, mas não convenceu. Na primeira dificuldade maior, na primeira tormenta, haverá claramente o risco de ela colocar Levy para fora, soltar as mãos do mastro e apontar na direção das rochas, segura de que aquela música que escuta é o caminho do paraíso. As sereias já salivam de desejo e fome…