quarta-feira, 3 de setembro de 2014

"Vale tudo", por Merval Pereira



Na nossa história política recente não houve presidente que tenha sido eleito com maioria parlamentar, mesmo Fernando Henrique em 1994, que fez uma coalizão com o então PFL já na campanha eleitoral. Em 2003, eleito presidente, Lula poderia ter feito uma coligação para governar com o PMDB, mas rejeitou a aproximação depois que seu chefe do Gabinete Civil José Dirceu fizera os entendimentos partidários, e acabou se entregando ao mensalão para montar sua base aliada no Congresso.

Do jeito que vai a campanha presidencial, vamos acabar elogiando os sucessivos governos de coalizão que foram montados no país, cada vez ampliando mais a permissividade e a leniência, para aceitar apoios políticos em troca de nacos do poder. Como se só assim pudesse haver governos estáveis.

Pois é ao contrário, governos de coalizão devem ser montados em bases programáticas e é isso que a candidata Marina Silva está pregando com sua “nova política”, que nada mais é do que uma marca popular para que todos entendam que é preciso formar alianças em novas bases, menos fisiológicas e mais voltadas para os interesses do país.

Discordar de Marina nos pontos do programa apresentado, pressioná-la para que desista deste ou daquele aspecto, faz parte do jogo democrático. (É até engraçado ouvir-se o ministro da Fazenda Guido Mantega dizer que o programa de Marina vai paralisar a economia brasileira. Como se já não estivesse parada).

Duvidar de sua capacidade para governar o país também, mas iniciar uma campanha terrorista contra um eventual governo de Marina Silva apenas por que não tem no momento uma base partidária, seria aceitar a tese de que quem tem uma base que cobre quase 80% do Congresso tem capacitação para fazer um bom governo. Não tem, e o governo da presidente Dilma é exemplar nesse sentido.

Entramos em uma fase da campanha eleitoral em que vale tudo, para quem admitira que pode fazer o diabo para se manter no poder. Os ataques abaixo da linha da cintura que a campanha da presidente Dilma começou a fazer, comparando Marina a Collor e Janio, seguindo-se de uma ação partidária articulada de ameaças, como as do governador do Ceará Cid Gomes dizendo que Marina será deposta se eleita, mostram que o partido governista já têm indicações de que a candidata do PSB continua subindo.

Nem Janio nem Collor foram derrubados por falta de apoio parlamentar, e uma das tragédias de nossa democracia representativa é que uma base parlamentar fisiológica tem condições de segurar um governo corrupto. Jânio caiu por que tentou dar um golpe, e Collor por graves denúncias de corrupção que o inviabilizaram politicamente, embora posteriormente o Supremo Tribunal Federal (STF) não tenha tido base legal para condená-lo.

O ex- presidente Lula disse que teremos o mais longo segundo turno de uma eleição, dando o tucano Aécio Neves já fora da disputa a um mês das eleições. Mas ele tem também que cuidar é de seu território, pois o PT está perdendo espaço em todo o país e nem mesmo o “Volta, Lula” tem viabilidade hoje, pois além de todas as dificuldades operacionais para substituir a incumbente, já há pesquisas que mostram que Lula hoje teria dificuldades para derrotar Marina. Os dois estariam empatados tecnicamente, com Lula 1 ponto à frente. Muito risco.

Tanto Aécio quanto Dilma tentam desconstruir Marina para levar para o segundo turno a velha polarização entre PT e PSDB. Aécio com mais seriedade que Dilma, tenta convencer o eleitorado de que ele é a mudança segura, e coloca em dúvida as convicções de Marina.

Dilma tenta recuperar votos com ações mirando o eleitorado de esquerda que passou para Marina, especialmente os mais progressistas na questão dos valores morais. Seu apoio à lei que criminaliza a homofobia está nesta direção, depois que Marina decepcionou esses eleitores recuando de posições mais avançadas sobre casamento gay e homofobia.

Já Aécio está tentando buscar o eleitor conservador que se passou para Marina, e não foi à toa que anunciou seu apoio ao projeto do seu vice Aloysio Nunes Ferreira que reduz a menoridade penal em casos de crimes hediondos, com a análise caso a caso por um juiz.

Os dois, na verdade, tentam mesmo é evitar que a eleição termine no primeiro turno.