quarta-feira, 3 de setembro de 2014

"Viver um papel", por Ruy Castro

Folha de São Paulo

Acho que já vi esse filme. Mesma ideia, mesmo cenário, mesmo enredo –enfim, um remake. Há algumas diferenças sem importância. O que acaba de estrear é um blockbuster em 3D, cheio de efeitos por computador. O outro, de 1960, era em preto-e-branco e a imagem parecia granulada, como se a tela estivesse suja de caspa. Não por acaso, os ternos do ator do filme original viviam polvilhados da dita.

No filme antigo, o protagonista era um homem. No que está em cartaz, uma mulher. Mas os personagens são iguais: carismáticos, messiânicos e, de propósito, mal-ajambrados. Vieram do nada e venceram às próprias custas –um se tornou deputado, prefeito e governador antes de se candidatar à Presidência; a atual foi deputada, ministra e senadora, e esta é a sua segunda candidatura. Por terem subido sem precisar de ninguém, não acreditam em conversas ou negociações –pelo menos, quando há alguém olhando.

Julgam-se acima da política e, como são fenômenos eleitorais, espremem-se em siglas nanicas ou inexistentes, sabendo que os grandes partidos tentarão pegar carona em sua popularidade. Eleitos, tendem a virar as costas aos partidos que os adotaram e a governar à base de espasmos –imprevisíveis, destrambelhados e contraditórios. O herói do filme de 1960, por exemplo, fazia isto com folclóricos bilhetinhos para seus ministros.

Como você já percebeu, a estrela do filme de hoje é Marina Silva; a do antigo, Jânio Quadros. Assim como Jânio e sua vassoura, Marina representa a pureza, o novo, o rompimento com as velhas práticas. E, assim como com Jânio, a palavra exata é representar –viver um papel. Afinal, é um filme, não?

Na verdade, é um filme ainda mais antigo. Chamou-se "A Grande Ilusão" ("All the King's Men"), de 1949, com Broderick Crawford no papel de Marina –digo, de Willie Stark.