Berlim vem batendo recordes de visitantes nacionais e internacionais. Depois de Paris e Londres, a capital alemã é a terceira na lista das mais visitadas no velho continente. Porém os berlinenses não estao sabendo lidar, no dia-a-dia, com as consequências dessa avalanche turística. Por isso, a Visit Berlin, agência oficial de turismo, decidiu publicar um “manual de comporatamento” como “orientação”.
Há 25 anos o muro caiu, mas o espírito da busca de liberdade continua presente e pulsante nas ruas e na sedutora essência do não planejável. “Berlim é o lugar”, já sacramentou o New York Times.
Malas barulhentas
Quem imagina que Berlim é composta somente dos que anseiam pela liberdade de ser e estar, se engana. Berlinenses, os naturais e os “chegados”, se mostram cada vez mais incomodados com a supersaturação da cidade como destino turístico, visível especialmente nos bairros onde a vida noturna é mais intensa e de custo mais barato, como Kreuzberg, Friedrichshain ePrenzlauer Berg.
Revolução é coisa do passado
É do bairro Kreuzberg que vem o maior número de queixas sobre o barulho das “malas de rodinha” e sobre as baladas noturnas, ao ar livre e que não tem hora para terminar. Como diz um cartão postal da época de Berlim Ocidental, mas que ainda continua atual: “As noites em Berlim são longas”.
A ponte Admiralbrücke é objeto mais em foco nesse mar de queixumes. Um lugar cool, de fácil acesso e rodeado por quiosques que vendem cerveja barata. Nos meses de calor a ponte se torna um Mini-Woodstock, um palco para quem quer ter seu momento de glória. Os moradores das redondezas se sentem incomodados com o barulho nas noites, principalmente nos dias úteis. Outros berlinenses reclamam o consumo de bebida alcoólica dentro do vagão do metro.
Surpreendentemente (ou talvez nem tanto), a prefeita do bairro de Kreuzberg, Monika Herrman, membro do partido verde, se expressou “irritada” com as “malas de rodinha barulhentas”. Na reação da prefeita se espelha nitidamente como Berlim se tornou diferente daquele solo revolucionário dos início dos anos 80. O chamado S0 36 (sudoeste 36) “agora virou um novo Leblon”, diz orgulhoso Ras Adauto. Minha amiga Beth, sabendo dos meus artigos de cunho turístico sobre Berlim, me deu uma bronca: “Vê se para de escrever sobre Berlim para que eles (turistas) não venham mais pra cá!!”. Ras e Elisabeth são cariocas &”berlinenses chegados”, residentes em SO 36 e percebem na porta de suas casas o que o número inflacionário de turistas que vem dar um rolé na capital causa no cenário urbano. Ras curte o burburinho. Beth, o detesta.
Um paliativo
Tentando minimizar as críticas que veem dos bairros, a Visit Berlin tornou público recentemente um “Manual de Comportamento” que estava sendo vendido pelo valor de 1,50 euros desde janeiro à turistas, mas sem que a imprensa tivesse tomado conhecimento do conteúdo, agora, calorosamente discutido na mídia.
“Em Berlim é possível fazer tudo o que não é proibido“, diz o título do manual que fala sobre os 12 bairros, popularmente chamados de “Kiez“, nome que remete à história da fundação de Berlim, resultante da junção de vilarejos, cada com sua característica própria.
Veja o texto na íntegra:
“Berlim é a cidade da liberdade. Na realidade, você pode fazer em Berlim tudo o que você quiser. Só de brincadeira, nós contamos o número de coisas que você pode fazer em aqui e chegamos à soma de 12.498.301. Desde dançar tango de biquíni na Ku’ Damm (alameda de comércio), recitar Schiller às 03 horas da matina na rua Kuno-Fischer Strasse. Se fossemos alistar todas as coisas possíveis de se realizar em Berlim, tomaria muito lugar nesse manual. Por isso, decidimos listar coisas que você pode fazer, mas só se considerar o lado dos berlinenses.”
- Espalhe o seu lixo
Não na cidade inteira. Você, decerto, prefere chegar numa Berlim limpa. Recipiente de lixo e lugar para colocar a guimba do cigarro na cidade é o que não falta.
- Fazer bastante barulho à noite
Claro que não! Os berlinenses precisam dormir já que no dia seguinte precisam ir trabalhar. Por isso, fica aqui o pedido: Depois das 22 horas atente para os moradores do bairro onde você está e não faca barulho.
- É permitido consumir álcool em todo o lugar
Nos lugares permitidos. Entretanto, dentro do transporte público não é permitido o consumo de bebidas alcoólicas. Para os jovens até 16 anos, só cerveja. Bebidas mais fortes somente são permitidas para os acima de 18 anos.
- Em Berlim os ladrões são invisíveis
Que nada! Eles são espertos! Atente para os seus objetos de valor e para a sua bolsa e não se envolve nos jogos de caixinhas de fósforos oferecidos nas calçadas de ruas movimentadas. É furada!
Seja direto
O discurso berlinense é bem direto, porém nunca maldoso. O coração berlinense bate sempre do lado direito. É o que chamamos de “Berliner Schauze” (o focinho berlinense, aquele que não tem papas na língua).
Perguntado por um jornalista, se haverá também um “manual de comportamento” para os berlinenses radicados, os instruindo para como lidar com os turistas, o porta-voz da agênciaVisit Berlin foi lacônico: “Não, os berlinenses devem permanecer como são”.
Com o manual, a Visit Berlin tenta amenizar os ânimos alterados das prefeituras dos bairros e de seus moradores, que levantam a bandeira pelo bons costumes. Mas o resultado é “pra alemão ver. Banal na forma e pueril no conteúdo e por isso, cairá no ostracismo. Para quem sabe se comportar, não precisa da orientação de um manual. Para quem não sabe e quem não intenciona aprender, muito menos. Isso vale pra Londres, Paris e Berlim.