Precisamos nos libertar desses fantasmas do famigerado ‘Brasil, ame-o ou deixe-o!’ que circulam até hoje no ambiente da CBF

“O choro devastado de tantos torcedores diante do Mineiraço traduziu o desencanto por mais um sonho vendido e não entregue”, diz Heraldo Palmeira (Foto: Ivan Pacheco/Veja.com)
PONTO SEMIFINAL
Por Heraldo Palmeira*
Todas as firulas de praxe foram feitas. Os exageros com Neymar ultrapassaram o bom senso e o pudor. Muito mais do que ele, afastado da Copa por uma fatalidade, nos fez falta decisiva o capitão Thiago Silva, que saiu de campo por esforço próprio ao arranjar um cartão amarelo gratuito no jogo anterior – ele foi no goleiro e mandou a bola para dentro do gol.
Sua ausência abriu a avenida por onde os alemães montaram um piquenique para se divertir às nossas custas diante do mundo.
Em 28 minutos tinham carimbado 5×0 na tal Família Scolari, essa baboseira que parte da mídia inventou para mascarar a ausência de futebol.
Montaram um amontoado sem pé nem cabeça de 23 sujeitos sem identidade nacional e sem entrosamento que, ao invés de concentrarem-se na tarefa hercúlea imposta pela tabela do torneio, preocuparam-se em sugerir músicas para a torcida, fazer gestos infantis com os braços e bonezinhos para mandar mensagem a Neymar.
Não podia dar em outra coisa.
Escrevi pouco depois do sufoco da Colômbia: “Os alemães estão a caminho e não costumam tomar conhecimento de problemas emocionais ou ziquiziras dos outros. Vão fazer aquele jogo previsível, pouco brilhante, aplicadíssimo, frio, forte, eficaz. Que intimida”. Fizeram pior: jogaram um futebol vistoso, nos humilharam, nos imobilizaram na várzea em que estamos atolados, nos impuseram um 7×1 de pelada de ponta de rua.
Fizeram quatro gols em seis minutos. Ponto!
Enquanto estávamos sendo trucidados naqueles brutais 28 minutos do primeiro tempo, vimos Felipão aparvalhado, sem tomar qualquer atitude, sem substituir jogador, sem mudar o esquema – até porque ele nunca soube fazer isso com a bola rolando.
É apenas um sujeito ultrapassado pelo tempo, encantado pelo discurso “somos os tais” corroborado pelos parreiras e murtosas da vida.
A tal “Copa das copas” está aí, escrita inapelavelmente. Ficou enfeitada com a maior derrota do futebol brasileiro em todos os tempos – antes, a Itália tinha nos enfiado um 7×2 em 1919. A pior derrota em Copa foi aquele 3×0 para a França na final de 1998. A mais vexatória derrota de um anfitrião de mundiais foi o 5×2 que impusemos à Suécia em 1958, quando trouxemos o primeiro caneco.
Esse 7×1 da Alemanha, a pior humilhação em cem anos de Seleção Brasileira, nos juntou a Zaire e Haiti como as três únicas seleções que levaram cinco gols num único tempo de partida em copas.
E prenuncia, pelas caras e palavras dos jogadores, a desesperança para o último jogo. O tal “grupo unido” antecipa que é frágil para lutar por um reles terceiro lugar diante da Holanda.
Estamos atrasadíssimos em relação ao futebol de primeira linha que se pratica hoje no mundo. A ponto de querer resolver com estatísticas e psicologia, ao invés de investir nas bases, convocar os melhores e buscar entrosamento em treinos constantes.

A luxuosa sede da CBF na Barra da Tijuca, no Rio: “Chegou a hora de acabar com a arrogância nacionalista de botequim” (Foto: CBF)
Não dá para seguir com gente como Parreira, cristalizado nos princípios técnicos da Copa de 1970.
Ou com mensagens constrangedoras de um Zagalo de dedo em riste na tevê, naquele eterno besteirol do número 13 – não perdemos de 13 porque os alemães foram educados, quer saber?
Precisamos nos libertar desses fantasmas do famigerado “Brasil, ame-o ou deixe-o!” que circulam até hoje no ambiente da CBF.
Chegou a hora de acabar com a arrogância nacionalista de botequim, de discutir novos caminhos como a possibilidade de contratar um técnico estrangeiro de primeira linha e montar um projeto de longo prazo, porque aqui no Brasil não se tem nenhum (técnico) que não esteja nas trevas do futebol – até pelo formato do futebol brasileiro atual.
Não dá mais para seguir com essas estruturas arcaicas, com essas marmotas emocionais, com esse papo de apagão geral.
Aliás, que diabos é isso mesmo? Jogadores de futebol, que ganham fortunas para jogar bola, reclamando de pressão na hora de entrar em campo?
Santa paciência!
Esses caras precisam começar a entender que vestir a camisa da Seleção Brasileira vai muito além de enfiar molambos de grife e acessórios ridículos dentro de uma valise Louis Vuitton, e desembarcar aqui como quem chega para um happening de milionários.
O choro devastado de tantos torcedores diante do Mineiraço traduziu o desencanto por mais um sonho vendido e não entregue.
O massacre alemão catalisou uma espécie de vergonha moral, retirou a fantasia esfarrapada que já não consegue esconder muita coisa. Por todas as razões que saltam aos olhos dentro e fora do campo.
O efeito da anestesia da Copa está no fim, acabará no apito final de Alemanha x Argentina. Aí, virá um tratamento de choque de três meses, que terminará nas urnas. E o resultado a gente não poderá reclamar de ninguém.
* Heraldo Palmeira é documentarista e produtor musical.