Editorial de O Globo
Argentina insiste em jogo duro com fundos abutres mesmo diante do risco de ser declarada novamente em moratória, apenas 13 anos depois da última, em 2001
O governo argentino esperou até o último momento — hoje, véspera do dia em que o país poderá ser novamente declarado em moratória depois de 13 anos — para enviar emissários a uma reunião em Nova York com o advogado Daniel Pollack, designado pela Justiça americana para mediar entre Buenos Aires e os chamados fundos abutres. As autoridades argentinas têm até amanhã para obter um acordo com os holdouts, credores que não aceitaram os termos das renegociações de 2005 e 2010.
A situação se tornou crítica para a Argentina depois de duas decisões da Justiça americana, fórum acordado para dirimir disputas sobre questões da dívida externa do país. Na primeira, o juiz Thomas Griesa reconheceu o direito de dois fundos abutres de receber pelo valor de face títulos da dívida comprados com enorme deságio. Os dois são uma pequena parte dos 7% dos credores que não concordaram com os termos das renegociações.
Em seguida, a Corte Suprema dos EUA rejeitou um recurso argentino. Isso deixou a nação vizinha numa sinuca: pagar aos dois fundos, e ver o restante dos 7% exigir na Justiça o mesmo tratamento, o que quebraria o país. Ou continuar pagando aos 93% que aceitaram a renegociação e, assim, desconhecer a decisão judicial. Buenos Aires tentou a segunda hipótese, mas o juiz Griesa congelou o depósito num banco americano até que a questão com os abutres fosse resolvida. Griesa então indicou Pollack para negociar com os dois lados.
Com o país em crise econômica e a popularidade despencando, Cristina recorreu ao surrado expediente de líderes argentinos em situação similar: demonizar um inimigo externo — os fundos abutres e a Justiça americana — para aumentar o apoio interno, capitalizando o fato politicamente, e tentar unir os aliados bolivarianos numa frente contra os EUA, a comunidade financeira internacional, etc. Tenta aumentar seu cacife para apoiar um político kirchnerista nas eleições presidenciais de 2015.
A precária situação do país, com inflação acima dos 30%, reservas internacionais em baixa, economia em recessão e desemprego em alta, exigiria que a Argentina realizasse intensas negociações com os credores. O próprio argumento de que cláusula contratual obriga estender aos demais credores as condições obtidas pelos fundos na Justiça é discutível. Pois há quem diga que ela só seria acionada se o pagamento fosse voluntário.
Há muitos sinais de que Cristina K. busca o confronto como tática política, para reconquistar apoio interno, com vistas às eleições de 2015, quando deverá apoiar alguém a sucedê-la.
Mas será uma tática suicida. A consultoria Abecep estimou que, com um eventual default, a inflação iria a 41%, o PIB cairia 3,5% e o consumo recuaria 3,8%. Já se for evitada, os números passam a 34,5%, menos 1,5% e menos 1,8%, respectivamente. Mas não permitiria a Cristina posar de vítima do “capitalismo predador”.