sexta-feira, 11 de julho de 2014

"Correlações espúrias", por José Paulo Kupfer

O Globo

Se o futebol de uma seleção refletisse o estado da economia, a Argentina nem estaria entre as classificadas para disputar a Copa

Não bastasse a eliminação da seleção brasileira por um resultado humilhante, resta ter de conviver com as tentativas de uso político do desastre e de vinculá-lo à complicada situação da economia. Essas articulações, de um reducionismo lógico constrangedor, são comuns no país do futebol, sobretudo nos momentos como os de Copas do Mundo, em que a pátria calça chuteiras. Mas nem por isso fazem sentido e muito menos contribuem para que os verdadeiros problemas extracampo sejam devidamente diagnosticados e superados.

Fazer uso político de um evento que mobiliza intensamente os brasileiros, com perdão do trocadilho, é do jogo, ainda mais sendo este um jogo que, por coincidência de calendários, sempre se joga em período de eleições gerais. Mas sugere-se não embarcar na canoa furada das correlações entre futebol e política e muito menos tentar pegar carona no evento, mesmo no Brasil, onde o futebol foi redesenhado como arte e, assim, criativo, impregnou a alma nacional.

Não há a menor sustentação histórica na vinculação entre o desempenho da seleção de futebol numa Copa e a consagração ou derrota nas urnas de quem quer que seja. Para não ir muito longe, basta lembrar o passeio que foi a reeleição, no primeiro turno, do presidente Fernando Henrique, em 1998, em seguida a uma imprevista perda do título mundial para os anfitriões, na Copa da França. Ou a vitória do então oposicionista Lula, logo depois do pentacampeonato de 2002, na Copa do Japão e da Coreia.

Desta vez, com os ânimos mais acirrados e em meio a amplas manifestações de descontentamento com os rumos do país, o esforço para pegar carona nas ineficiências, improvisos e superfaturamentos da preparação para a Copa, atacando o governo de Brasília, foi mais agressivo. Ocorre que, depois da “surpresa” com a inexistência dos muitos colapsos previstos e o encantamento do mundo com o Brasil e os brasileiros, a reação contrária, do governo para os críticos, se deu no mesmo tom pesado.

O jogo tende a dar empate, com os dados mais perdendo do que ganhando.

Exceto a constatação evidente de que o futebol brasileiro, dirigido por uma entidade anacrônica, necessita de uma profunda reformulação, as demais vinculações, especialmente as que tentam articular o retumbante fracasso desportivo com o estado da economia não passam de correlações espúrias pueris. A paralisia que tomou conta dos jogadores canarinhos no 7 a 1 para a Alemanha, é claro, não reflete o estado de desarranjo e crescente paralisia da economia brasileira nem a propalada superioridade econômica alemã.

Não é preciso nenhum esforço para repelir esse tipo de ideia sem sentido. O próprio desenrolar da Copa, com a seleção da Argentina na final do Maracanã, é a prova mais contundente da pobreza dessa tese. Se a teoria de que o futebol reflete alguma coisa que não o próprio estado do futebol tivesse algum valor, a Argentina, agora com chances de levar um tricampeonato mundial, nem estaria entre as 32 seleções classificadas para disputar a Copa de 2014, tal a desarrumação de sua economia.

Sobrou, de todo modo, um terreno minado com a transformação acachapante, dentro das quatro linhas, do sonho do hexacampeonato dentro de casa em pesadelo. Se a presidente Dilma tentou tirar vantagem do momento de encantamento global com a Copa no Brasil, seus críticos e opositores, recolhidos desde o início da competição, também voltaram, com a derrota no Mineirão, a mostrar os dentes.

Todos erram nesse quesito. O futebol não aceita correlações espúrias nem se dá bem com oportunismos políticos.