"O rombo e o crescimento", por Celso Ming
O Estado de São Paulo
Persiste nas esquerdas brasileiras um keynesianismo mal-entendido, segundo o
qual o equilíbrio das contas públicas é fator de atraso do crescimento econômico
e da criação de empregos. Trata-se - é essa a ideia - de puxar pelas despesas
públicas e utilizar ao máximo o Estado como catalisador do desenvolvimento e do
emprego.
Parte da mesma síndrome é o entendimento de que a insistência no controle das
finanças públicas é um valor neoliberal e não de gente identificada com a
redenção da pobreza.
Outros professam uma radicalização ainda maior. A de que, a partir de certo
ponto, a dívida externa não deve ser paga, pelo simples fato de que as despesas
com juros foram mais do que suficientes para pagar a dívida. Nessa lógica, a
partir de determinado tempo de contrato, um aluguel também não deveria mais ser
pago, porque, tudo somado, o inquilino já transferiu para o proprietário o valor
do imóvel.
Quando, em 2001, a Argentina passou o calote no mercado financeiro
internacional, alguns economistas sugeriam que o Brasil fizesse o mesmo. Não
levaram em conta o risco de perda de crédito por muitos e muitos anos, como
aconteceu com a Argentina que, 12 anos depois, não consegue financiamento
externo.
Segue-se a aversão às agências de classificação de risco, que tenderiam
sempre a rebaixar a qualidade dos títulos de dívida dos países que mais precisam
de capitais para a erradicação da pobreza.
É uma concepção deturpada do que deva ser uma política voltada para o
desenvolvimento social. Quando sugeriu maior atuação do Estado, o maior
economista do século 20, John Maynard Keynes, não pregava o desequilíbrio fiscal
a qualquer custo e, muito menos, o aumento ilimitado das despesas correntes de
um governo. Ele entendia que o Estado precisava, sim, investir mais recursos
públicos em infraestrutura (e não em despesas correntes), para atuar no
contraciclo e tirar uma economia da recessão.
Hoje, não só os estudos de Economia Política, como a prática de administração
de uma economia nacional, demonstraram que o avanço econômico em condições de
desequilíbrio das finanças públicas não pode ser sustentado. Nesses casos, a
inflação se encarrega de fazer o ajuste por meio da corrosão do poder aquisitivo
do trabalhador e da perda de empregos.
Além disso, um país excessivamente endividado e entregue à gastança acaba sem
condições para executar suas políticas, como em certa medida ocorre agora no
Brasil. O esgotamento do Tesouro impede os investimentos públicos necessários
para o desenvolvimento da infraestrutura e para garantir os efeitos
anticíclicos. Impõe limitações sérias às políticas de educação, saúde e
segurança e desgasta o governo com sucessivas operações de apagamento de
incêndios.
Isso não tem nada de ideológico. O que pode ter caráter ideológico é a ênfase
dada às políticas de proteção social. Governos social-democratas buscam
incentivar as práticas de bem-estar social. E governos neoliberais preferem
deixar que a iniciativa privada faça a maior parte. E a população, por meio do
voto, depois escolhe o que lhe parece melhor. Mas, decididamente, sem equilíbrio
das contas públicas, nenhuma plataforma ideológica se mantém em pé.