Bolsa brasileira perde US$ 220 bi em 2013, mais do que o valor de Petrobras e Vale somadas
Bruno Villas Bôas e João Sorima Neto - O Globo
No ano marcado pela expectativa em torno da retirada de estímulos monetários nos EUA e por uma mudança para pior na avaliação dos investidores sobre o Brasil — com o baixo crescimento da economia, inflação elevada e quadro fiscal em deterioração — a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) teve o segundo pior desempenho do mundo, numa lista de 94 índices de ações, atrás apenas da Bolsa do Peru (-24%), mercado considerado inexpressivo e concentrado em mineradoras.
Ontem, no último pregão do ano, o Ibovespa, principal índice de ações do país, fechou em alta de 0,47%, aos 51.507 pontos. Em dezembro, no entanto, o índice recuou 1,86% — o pior resultado para o mês desde 1998.
No ano, o tombo chega a 15,5%, o pior desempenho desde 2011. Num momento em que as Bolsas batem recorde no exterior, a Bovespa teve a maior perda de valor de mercado no mundo: cerca de US$ 220 bilhões (mais do que Vale e Petrobras somadas), segundo dados da Bloomberg. O valor de mercado da Bolsa hoje é de US$ 974 bilhões.
Para William Landers, gestor de portfólio para América Latina da Blackrock, uma das maiores gestoras de recursos do mundo, o mau resultado do Ibovespa reflete o lento crescimento da economia brasileira, em contraste à recuperação de economias desenvolvidas, como a dos EUA e a de países europeus. Ele também culpa o atraso em leilões de infraestrutura e as mudanças de regras em setores da economia.
O Dow Jones, principal índice da Bolsa de Nova York, acumula alta de 25% em 2013, num ano marcado de sucessivos recordes no mercado americano. O Nasdaq, tido como termômetro das empresas de tecnologia dos EUA, sobe 37%. Na Europa, a Bolsa de Londres ganha 14% e a de Paris, 17%. Na Ásia, a Bolsa de Tóquio teve valorização de 56,72% em 2013, a maior desde 1972.
— Muito do dinheiro que estava em ações no Brasil voltou assim para os EUA e a Europa. E isso explica uma parte da forte valorização das Bolsas lá fora e a queda no Brasil — disse Landers, que não acredita numa mudança de cenário no próximo ano. — O mercado não espera nenhum milagre no Brasil em 2014. Na área fiscal, um dos pontos sensíveis, não vemos mudança em um ano de eleições presidenciais e Copa. É preciso focar em 2015.
Fundo cambial foi a melhor aplicação
Neste ano, o fraco desempenho de ações de peso no índice, como Petrobras e Vale, contribuiu para o tombo do Ibovespa. Os trabalhadores que destinaram recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FTGS) para os papéis da Vale amargaram perdas de 15,32%. E os que destinaram recursos do FGTS para ações da Petrobras viram seu dinheiro encolher 18,46% neste ano até o dia 24, segundo a Associação Brasileira dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).
— Foi um ano difícil para investidores de Bolsa já que as principais ações tiveram perdas. A Petrobras foi afetada pelas intervenções do governo no preço dos combustíveis, o que pressiona o nível de endividamento da empresa. A Vale teve a disputa judicial em torno da dívida de subsidiárias no exterior e o preço de minério de ferro em queda em parte do ano — diz Álvaro Bandeira, da Órama Investimentos.
Mas o mau desempenho foi quase generalizado. Os papéis de bancos foram afetados pelo processo bilionário no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre planos econômicos. As ações da OGX Petróleo amargaram perdas de mais de 90% na Bolsa antes de serem excluídas do Ibovespa, depois que a petroleira entrou com o pedido de recuperação judicial.
— O caso OGX tirou um pouco de credibilidade da Bolsa. Quem entrou na Bolsa via ações da OGX nunca mais vai voltar — diz Ari Santos, gerente na corretora H. Commcor.
Os investidores que aplicaram em fundos de ações amargaram perdas. Os fundos Ibovespa Ativo — que buscam render mais do que o índice — caíram 3,4% no ano e os fundos Ações Livres — que não seguem um índice específico — tiveram alta de 1,08%.
Quem buscou abrigo na renda fixa também teve um ano tumultuado, com o risco de rebaixamento da nota de classificação de risco do Brasil pela Standard & Poor’s (S&P), as manifestação em junho e o temor do início de retirada dos estímulos nos Estados Unidos — o que se confirmou, com a redução das recompras de ativos em US$ 10 bilhões mensais, para US$ 75 bilhões a partir de janeiro.
Apesar de toda a instabilidade, os fundos DI (pós-fixados, que acompanham a alta dos juros básicos) tiveram um retorno de 8,11%, acompanhando o aumento dos juros básicos da economia, a Selic, para 10% ao ano. Os fundos de renda fixa (prefixados) ganharam 6,8%. O desempenho superou a inflação pelo IGP-M (5,51%) e a projetada para o IPCA (5,73%), segundo a mediana das projeções de economistas consultados pelo boletim Focus, do Banco Central (BC). A caderneta de poupança rendeu 6,37% no ano, também conseguindo superar a inflação.
— Foi um ano bem difícil para renda fixa e crédito em geral. A perspectiva para a economia brasileira mudou, o que levou ao fim do ciclo de redução de juros, que durou 20 meses. Em oito meses, tivemos uma alta de 2,75 pontos percentuais da Selic — diz Alexandre Fernandes, diretor de Crédito da Rio Bravo Investimentos.
Os fundos renda fixa índices — que aplicam em títulos públicos que remuneram juros mais inflação — caíram 3,69% no ano, um destaque negativo.
Já o campeão de rentabilidade foi o fundo cambial (que investe em diferentes moedas, principalmente dólar). Essa aplicação rendeu 16,76% no ano, segundo a Anbima. Em dezembro, a aplicação ganhou 1,48% e teve o melhor desempenho do mês. Apesar da valorização, poucos investidores se beneficiaram do movimento, já que os fundos são pouco indicados por especialistas por sua volatilidade e têm patrimônio de R$ 1,8 bilhão, apenas 0,1% do setor de fundos no Brasil.
Na avaliação de Ennio Moraes, diretor de investimento do Citi, o dólar deverá continuar pressionado em 2014, mesmo com a atuação do Banco Central. Os fatores que levaram os fundos cambiais a serem a melhor aplicação devem se manter em 2014: os fundamentos da economia brasileira em deterioração, a visão negativa da política fiscal, juros em alta e expectativas mais fracas de crescimento do PIB.
— A estimativa da equipe de análise do Citi é que o PIB brasileiro cresça 1,8% em 2014. Os juros devem subir até 10,75% no ano novo, dando uma pausa no movimento de alta durante o período eleitoral. A inflação deve terminar 2014 rondando 5,9%. Esse quadro tende a colocar mais pressão sobre o real — disse.
Os fundos multimercados multiestratégia — que aplicam em ativos como ações, juros e moedas — fecharam com alta de 6,2%, com gestores obtendo desempenho intermediário entre as aplicações.