“O Brasil não é um país sério.” “Se essa terra fosse decente, um escândalo como esse não aconteceria.” “Se não fôssemos uma república bananeira, os responsáveis por tantos episódios de corrupção estariam presos.” “Somos mesmo o país da impunidade.” Quem não está acostumado a ouvir afirmações como essas? Elas retratam reações genuínas e legítimas de espanto, frustração, decepção e desabafo.
Nos últimos dias, e com todos os motivos, essa insatisfação tem se manifestado com bastante intensidade em razão de dois episódios lamentáveis. O primeiro foi o roubo de mais de R$ 6 bilhões perpetrado por sindicatos contra aposentados e pensionistas, sem uma resposta convincente das autoridades. A troca que o governo fez no Ministério da Previdência foi para inglês ver, uma simples substituição do número 1 pelo número 2 da mesma estrutura carcomida.
O segundo episódio, no início desta semana, foi a espantosa revelação da Auditoria do Tribunal de Contas da União de mais um escândalo no INSS. Milhares de aposentados foram lesados por empréstimos consignados — que nunca solicitaram — em um esquema que ascende a inacreditáveis R$ 90 bilhões em fraudes. De novo, o governo cruzou os braços em vez de demitir toda a cúpula do ministério, devolver imediatamente o dinheiro aos lesados e ordenar uma investigação.
Vivendo na segunda realidade A corrupção é apenas uma das diversas manifestações de um mal maior, de uma doença mais profunda – a devastação nos princípios, valores e instituições que caracterizam uma sociedade livre e virtuosa, provocada pelo relativismo moral. À medida que se afasta dos valores transcendentais e da tradição herdada de gerações passadas, a civilização moderna está assumindo a própria desumanização.
A questão fundamental a ser enfrentada pelos que desejam a reversão do quadro de deterioração política, econômica e cultural em que está mergulhada a civilização é de natureza essencialmente moral. Os paradigmas da política e da economia precisam ser mudados radicalmente, mas isso só poderá dar resultados se as mudanças respeitarem o que a tradição da transcendência sempre ensinou.
Ou fazemos isso ou continuaremos assistindo, aparentemente impotentes, à inversão completa de valores. Nas palavras do filósofo alemão Eric Voegelin (1901-1985), o Ocidente está vivendo na segunda realidade. Em termos atuais, as pessoas estão vivendo de narrativas, e não de fatos. E sabemos como esse alheamento é perigoso, uma vez que foi exatamente ele que permitiu a ascensão de uma aberração como o nazismo.
A corrupção é apenas uma das diversas manifestações de um mal maior, de uma doença mais profunda - Foto: ShutterstockTamanho do Estado e imoralismo
Na economia, em especial, é preciso destacar a contribuição negativa do intervencionismo, em suas diversas formas, desde o socialismo mais radical até o keynesianismo tucano, para esse processo de alheamento da realidade.
O intervencionismo, com o agigantamento do Estado que acarreta, é um dos elementos alimentadores da corrupção, ao lado das más leis e da baixa probabilidade de punição de delitos. Aguça, além disso, o processo de desumanização do homem e da falta de sentido de uma existência divorciada de Deus.
A culpa da corrupção não é do “Brasil”, é desse processo de desumanização, dessa marcha insensata para a segunda realidade. Suponha que um pai, desde a mais tenra idade de seus filhos, ensinelhes a gastar tudo e até mais do que ganharem; incuta em suas cabeças que o hábito de poupar é um vício abominável; recomende que contrair dívidas é uma virtude louvável; quando estiver à beira da morte, os chame e lhes diga que deixa para eles um enorme buraco financeiro.
Certamente, um sujeito assim seria imediatamente tachado como irresponsável, perdulário, dissipador, esbanjador, gastador e extravagante. Em termos morais, um péssimo exemplo para os filhos.
E com o Estado não é diferente. O que pouca gente percebe é que, se substituirmos esse pai pelo Estado, nada mais estaremos fazendo do que retratar o estímulo à dívida interna. O intervencionismo é uma defesa pretensamente “científica” do comportamento do pai hipotético do parágrafo anterior. Mais ainda, a ilusão de que os vícios desse pai, do ponto de vista coletivo, não são vícios, mas virtudes.
Os “filhos” e “netos” de 2025 estão sendo chamados para pagar as contas que seus “pais” e “avós” imprevidentes, encastelados na Academia, nos jornais e na política, abriram ao longo de pelo menos oito décadas.
Entretanto, é a abordagem econômica que melhor serve aos interesses políticos das elites a que nos referimos anteriormente, por uma simples razão: mais Estado na nossa vida significa mais poder nas mãos desses grupos. Daí o seu empenho em 2022 para trazer de volta quem sempre viveu dessas vantagens, em detrimento de quem não tem meios de se defender de sua sanha exploratória – como os aposentados e pensionistas.
E, em geral, os pagadores de impostos.