sábado, 7 de setembro de 2024

J.R. Guzzo: 'No Brasil de hoje, até pedido de anistia para inocentes é criminalizado'

 

Manifestantes nos atos do dia 8 de janeiro de 2023.| Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil


Há alguma coisa profundamente errada num país em que defender um projeto de anistia é considerado pelo pensamento oficial como uma atividade criminosa. É o caso de hoje no Brasil, com um espetacular plus a mais – os crimes a serem anistiados não foram cometidos. Não existe isso em democracia nenhuma do mundo. Ao contrário: criminalizar anistia é algo privativo de ditadura.

Tente pedir uma anistia em Cuba, digamos, e veja o que lhe acontece; vai ser você, com certeza, quem vai precisar dessa anistia. No Brasil “civilizado” do STF, da esquerda e da maior parte da mídia, porém, perdoar milhares de pessoas que não praticaram o crime do qual são acusadas é “atentar contra a democracia”.


O “golpe” do 8 de janeiro é um crime impossível, pois não podia ser praticado, da mesma forma como não se pode roubar um automóvel em Marte ou passar um cheque sem fundo para o faraó do Egito


A acusação, pela qual cidadãos que jamais violaram a lei em suas vidas estão sendo condenados a dezessete anos de cadeia, é o “golpe de Estado” do dia 8 de janeiro de 2023. Não é preciso fazer nenhum raciocínio de alta complexidade para se constatar que não houve golpe, nem tentativa de golpe, e menos ainda de golpe armado. Não houve, muito simplesmente, porque os réus são acusados do chamado crime impossível – quer dizer, não podem, pela observação material dos fatos, ter cometido o delito que lhes está sendo imputado.

Um exemplo clássico de crime impossível é o sujeito que descarrega um pente de bala na cabeça de um cadáver. Se for acusado de homicídio o juiz terá de arquivar processo, porque é impossível matar alguém que já está morto. Homicídio, no artigo 121 do Código Penal Brasileiro, é: “Matar alguém”. Um cadáver não é alguém. Pode ser vítima de vilipêndio e, ser for, o autor terá praticado um crime – mas não pode ser vítima de homicídio.

O “golpe” do 8 de janeiro é um crime impossível, pois não podia ser praticado, da mesma forma como não se pode roubar um automóvel em Marte ou passar um cheque sem fundo para o faraó do Egito. Não podia ser praticado por várias razões auto evidentes, a começar pelo fato de que é impossível dar um golpe armado se as armas mais agressivas dos golpistas eram dois estilingues.

Não é possível, objetivamente, dar um golpe de Estado quando as Forças Armadas são contra o golpe – no caso, prenderam os acusados e os entregaram para a polícia. Também não há nenhuma possibilidade de derrubar o governo sem qualquer plano coerente de ação, ou quebrando vidros nos edifícios dos Três Poderes.

O que houve no dia 8 de janeiro em Brasília foi quebra-quebra no qual ninguém saiu ferido, e que acabou na hora em que a polícia resolveu que deveria acabar. Os autores podem e devem ser processados por destruição do patrimônio público e outros crimes de pequeno porte – embora não passe pela cabeça do STF, do Ministério Público e do governo Lula fazer isso quando militantes de extrema esquerda praticam o mesmo tipo de baderna. Mas a anistia não é para o quebra-quebra. É para o “golpe de Estado” que nunca foi dado. É, na verdade, a correção de um erro judicial cometido com malícia deliberada pelo STF.

O grande argumento dos defensores da lenda oficial e dos inimigos da anistia, quando se vai ao núcleo duro do que estão dizendo há mais de um ano, é que os condenados do STF, o ex-presidente Bolsonaro, o coronel Cid e sabe lá Deus quem mais, tinham a intenção de dar o golpe; queriam mas não conseguiram, ou desistiram, ou coisa parecida. É como condenar o ladrão que estava pensando em roubar a galinha, mas não roubou – tanto que a galinha continua no galinheiro, entregue a seus afazeres pessoais, e não na panela do ladrão. O sistema pró-STF acha que tudo isso é o maior triunfo que a democracia brasileira já teve em toda a sua história. Só que não é. Com vitórias deste tipo, vai acabar na terceira divisão.


J.R. Guzzo, Gazeta do Povo