É difícil não sentir um aperto no coração vendo Theresa May ser vencida pelas lágrimas no discurso de despedida?
Pois tem muita, muita gente de coração de pedra na Grã-Bretanha. Uma amostra do que disseram comentaristas, políticos e leitores dá uma ideia da bagunça causada pela mulher que chegou ao governo despertando muitas esperanças de que conduziria um processo ordenado e leal para tirar o país da União Europeia e vai deixá-lo numa situação caótica.
Falsa imagem de competência e conceito distorcido sobre si mesma, inabilidade política, incapacidade de entender os processos e liderar um complexo conjunto de negociações, confusão entre persistência e teimosia autodestrutiva ficaram claros ao longo dos últimos meses.
Nos últimos dias, apareceram também as facadas finais: Theresa May era vaidosa, adorava “ser servida em baixelas de prata”, tinha especial apreço pela mansão de campo dos primeiros-ministros e achava que tinha nascido para ocupar o cargo onde cometeu uma sucessão alucinante de erros.
“Theresa May, a primeira-ministra indesejada, fracassou porque não entendia como governar”, escreveu Norman Tebbit, que foi ministro do Comércio, entre outros cargos, no governo de Margaret Thatcher.
Um dos feridos no atentado do IRA que pretendiam matar Thatcher – e a projetou como uma indestrutível Dama de Ferro -, hoje ele é da Câmara dos Lordes. Tebbit listou as proezas de Theresa, a Terrível: revoltou o eleitorado, conseguiu unir contra si mesma tanto os conservadores a favor do Brexit como o que são contra, enfiou o próprio partido no buraco, abriu caminho à ressurreição de Nigel Farage como alternativa à direita e só deixou satisfeita a ala de esquerda do Partido Trabalhista que pode voltar ao poder.
A bobagem final foi propor um segundo referendo em troca da aprovação de seu repetidamente derrotado projeto de desengajamento da União Europeia.
“Cheguei à conclusão, há alguns meses, de que os problemas e tribulações dela decorrem da falta de entendimento de como funciona o mecanismo de governo no sistema britânico.”
Um espanto, uma vez que Theresa May entrou para o Parlamento em 1997, foi ministra do Interior durante seis anos e conseguiu ser eleita pelo partido para a chefia de governo como uma líder “forte e estável” depois da renúncia de David Cameron, acachapado pelo resultado do referendo que ele próprio havia convocado, certo da vitória do “sim” à permanência na União Europeia.
“Dois líderes conservadores que eram instintivamente a favor da União Europeia já se foram. Ou o partido aprende a lição ou vai morrer”, jactou-se Nigel Farage, esperando o resultado inacreditavelmente de seu recém-criado Partido do Brexit para as farsesca eleições do Parlamento Europeu.
As manifestações de respeito pela “honra” e “dignidade” de Theresa May na saída foram ofuscadas por comentários de leitores sem nenhuma fleuma inglesa. “Finalmente a bruxa incrivelmente inútil vai embora”, escreveu um no circunspecto Telegraph.
Outros:
“Salvei a foto de May chorando e vou usar como fundo de tela.”
“Haloweeeeeeeeeeen”.
“A traidora merecia a forca”.
“Só estava chorando porque fracassou na tentativa de destruir o Reino Unido”.
“Não vou aguentar mais duas semanas dessa total falta de integridade”.
Duas semanas são o prazo para que grupos de parlamentares do Partido Conservador apresentem seus candidatos aos “homens de cinza”, o comitê que articula os trabalhos internos.
Determinados os mais viáveis, começam as votações, mais ou menos como na eleição do papa: os nomes menos votados vão caindo até que só restem dois candidatos.
A fila é grande, com Boris Johnson como o preferido pelas bases do partido e Jeremy Hunt, que o substituiu como ministro das Relações Exteriores, em segundo lugar.
Theresa May vai continuar como parlamentar na Câmara dos Comuns, ocupando um lugar no banco dos menos destacados. Tendo passado três anos como desastrosa primeira-ministra, talvez seja o lugar de tamanho adequado.
Como, quando e em que condições do reino vai sair da União Europeia são problemas que ficaram maiores ainda sob sua administração.
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