sexta-feira, 21 de setembro de 2018

"Predileção por tutelados", por Rogério Furquim Werneck

Não existe entre Bolsonaro e Guedes a relação de abjeta submissão que se observa entre Haddad e Lula


Há um traço comum e insano nas duas candidaturas a presidente que agora lideram as pesquisas de intenção de voto. Tanto num caso como noutro, boa parte dos eleitores espera que, uma vez eleito e empossado, o candidato de sua preferência passe a governar sob a estrita tutela de outra pessoa.

No caso de Fernando Haddad, tal expectativa vem sendo estimulada de forma escancarada. Próceres do PT vêm anunciando que Lula será indultado no primeiro dia de governo. E dando força à ideia de que o ex-presidente passará a ocupar sala ao lado do gabinete presidencial, no Planalto. A menos, claro, que prefira que Haddad ocupe a sala ao lado.

Diante da péssima repercussão desse desvario, o candidato petista viu-se obrigado a esclarecer que Lula não será indultado. O que não impediu que Gleisi Hoffmann continuasse a insistir que Lula será solto em breve e “terá o papel que quiser no governo”.

O PT continua a martelar que votar em Haddad é votar em Lula. E que é isso que permitirá ao “povo ser feliz de novo”. O que vem sendo omitido, nesse novo engodo eleitoral, é que o povo deixou de ser feliz porque Lula permitiu que Dilma Rousseff lançasse o país no colossal atoleiro em que está metido, ao cometer o despropósito de alçá-la à Presidência da República.

O silogismo completo deveria ser outro. Haddad é Lula, e como Lula é Dilma, Haddad é Dilma. E não será com Haddad que o povo vai ser feliz de novo. Para se livrar desse entalo, o candidato petista tem-se agarrado a uma narrativa descaradamente desonesta, que retoma a mentira do estelionato eleitoral de 2014 no ponto exato em que Dilma a deixou.

A brutal crise econômica deixada pelo PT não teria decorrido dos monumentais erros de Dilma, mas de uma conspiração do PSDB e do PMDB, que teria inviabilizado seu segundo mandato. O mais preocupante é que, irredutível como está na negação dos erros de Dilma, Haddad mostra-se pronto a voltar a cometê-los, ao adotar um programa de governo que parece ter saído do mesmo laboratório em que foi concebida a desastrosa “nova matriz macroeconômica”. Tampouco há disposição da parte de Haddad de reconhecer os erros que acabaram deixando o PT no centro da Lava-Jato e operações similares.

É notável que, no extremo oposto do espectro político, eleitores de Jair Bolsonaro também acalentem a ideia de eleger um presidente que governe sob tutela. Esperam que, despreparado como é, o candidato seja rigorosamente tutelado por Paulo Guedes.

É preciso ter em conta que não há entre Bolsonaro e Guedes a relação de abjeta submissão que se observa entre Haddad e Lula e, sim, um precário casamento de conveniência, que deixa amplo espaço para dúvidas sobre a real ascendência que o economista poderá ter sobre o capitão.

O problema é que, no sinistro entorno de Bolsonaro, há muito mais gente querendo fazer a cabeça do capitão, e com ideias bem mais condizentes com as que o candidato sempre defendeu em três décadas de atuação no Congresso.

Até agora, a candidatura de Bolsonaro vinha tirando bom proveito do que talvez tenha sido a maior fake news da atual campanha presidencial: o mito de que Guedes deteria a fórmula mágica de um bombástico programa de ajuste fiscal instantâneo que permitiria zerar o déficit primário do governo já em 2019.

Mas a informação de que, em meio ao desespero de tentar entregar o prometido, Guedes estaria contemplando até a recriação de uma fantasmagórica e avantajada CPMF teve efeitos devastadores sobre essa mistificação. Deixou pouco espaço para autoengano entre os que ainda se recusavam a perceber que o tal programa simplesmente não existe. Bolsonaro e sua turma já se deram conta disso. O que ainda não se sabe é como esse choque de realidade afetará sua relação com Guedes.

Seja como for, eleitores que vinham tentando se convencer de que o despreparo de Bolsonaro não importa, por que estará pilotado por Paulo Guedes, começam afinal a perceber o flagrante despropósito de tal racionalização.



O Globo