Os levantamentos mais recentes divulgados pelo Ibope e pelo Datafolha confirmam que Jair Bolsonaro (PSL-RJ) e Fernando Haddad (PT-SP) são os candidatos premiados pelo eleitorado com o passaporte para ir para o segundo turno. Se nada imprevisível ocorrer daqui até o dia 7, a última trincheira do embate eleitoral se dará entre os dois principais representantes dos extremos, candidatos que até agora investiram no discurso radical para sedimentar seus votos. Ocorre que, para conseguir ampliar sua base eleitoral para além do que já têm — Bolsonaro está com 28%, Haddad varia de 16% a 19%, conforme o instituto —, tanto um quanto o outro terão de buscar o voto do eleitor mais moderado. Para isso, os dois deram início a uma nova fase de suas campanhas: a de apresentar ao país uma versão menos estridente de si mesmos.
Bolsonaro já definiu sua estratégia. Vai jogar todas as fichas numa vitória em primeiro turno e, como passo inicial nessa direção, pretende divulgar nos próximos dias sua versão da “Carta aos Brasileiros”, emulando o plano de Lula às vésperas da eleição de 2002, quando o favoritismo petista provocou uma disparada recorde do dólar — a carta era uma proposta de armistício aos empresários e ao mercado financeiro. Na versão bolsonarista do documento, o presidenciável desenhará um perfil cordato de si mesmo — negará que é racista, homofóbico e machista, e sugerirá que foi a disseminação dessa imagem que acarretou o ataque contra ele em Juiz de Fora. A carta também deve reiterar que Bolsonaro é o “único” capaz de vencer o PT em primeiro turno, como forma de atrair os eleitores dos candidatos de centro que não querem a volta do PT ao poder. O documento vem sendo escrito a várias mãos. Um rascunho foi lido pelos aliados de Bolsonaro, durante uma reunião de cúpula da campanha, no flat George V, em São Paulo, na terça-feira 18. No encontro, decidiu-se que o deputado passará a gravar vídeos diários em um estúdio que já está sendo montado em sua casa na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, assim que receber alta do hospital (ainda não há previsão para isso).
A reunião que estabeleceu as novas diretrizes de campanha também selou a paz no entorno do presidenciável, conflagrado mesmo antes do atentado. Entre os presentes estiveram o advogado Gustavo Bebianno, braço-direito do capitão da reserva, dois dos seus filhos (Eduardo e Flávio), os deputados Major Olimpio (PSL-SP) e Onyx Lorenzoni (DEM-RS), o general Augusto Heleno (PRP-DF), o assessor econômico Paulo Guedes e o candidato a deputado Julian Lemos (PSL-PB), que havia se distanciado da campanha em razão de desavenças com Bebianno e os filhos do presidenciável. Houve pedidos de desculpa e promessas de cessar-fogo interno em nome de um objetivo maior (ganhar a eleição) e de outro um pouco menor, mas não menos imperioso: conter o ímpeto um tanto exibicionista do vice, general Hamilton Mourão (PRTB-RJ), que pensou em protocolar um pedido no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para substituir Bolsonaro nos debates presidenciais sem aviso prévio à coordenação de campanha.
A artimanha teve a digital de Levy Fidelix, o folclórico defensor do “aerotrem” e o mais novo amigo de infância de Mourão. Fidelix preside o PRTB, a única sigla aliada a Bolsonaro. Recentemente, ele acolheu em seu partido pelo menos três militares da reserva de ímpeto intervencionista que despontaram na recente greve dos caminhoneiros e nas manifestações pró-impeachment de Dilma Rousseff. Aliados de Bolsonaro dizem que o plano de Fidelix é aumentar o protagonismo de Mourão para, com isso, oferecer-se como opção, em caso de vitória da chapa, para presidir a Câmara dos Deputados — hipótese que, de tão descabida, chocou até o heterodoxo núcleo duro de Bolsonaro. Como resultado, Mourão foi proibido de representar Bolsonaro onde quer que fosse — e o clima, tanto com o general quanto com Fidelix, azedou.
Na quarta-feira 19, a cúpula da campanha do PSL viu-se com outro abacaxi nas mãos. Dessa vez, o pivô da confusão foi Paulo Guedes. Em encontro com empresários, ele disse que poderá criar um novo imposto nos moldes da CPMF, caso o presidenciável seja eleito — o que fez Bolsonaro ir às redes para, num malabarismo retórico, tentar desmentir a informação sem desmentir seu autor.
A pregação da militância bolsonarista pela vitória em primeiro turno se deu depois da disparada de Haddad nas pesquisas. O petista cresceu 11 pontos em sete dias segundo o Ibope, e 3 segundo o Datafolha. Nas projeções de segundo turno, empata com Bolsonaro nas duas pesquisas (veja o quadro na pág. 33). Em busca do centro, Haddad tem marcado posição contra Bolsonaro, antecipando uma estratégia que estava reservada apenas para o segundo turno. O mote da campanha agora será o argumento de que a população terá de escolher entre “a civilização e a barbárie”, “a democracia e o fascismo”, “a paz e a violência”.
O aceno ao centro se dará também na área econômica. O ex-prefeito desautorizou o até então principal economista do PT a falar em seu nome. Ele agora se refere a Marcio Pochmann — malvisto pelo mercado por ser considerado um defensor da cartilha desenvolvimentista de Dilma Rousseff — como um “intelectual independente”. Haddad passou a dizer que procura alguém “pragmático” para o Ministério da Fazenda. Antes, dizia que a escolha seria de Lula. O petista também tem negado que planeja conceder indulto ao ex-presidente preso. No entanto, membros do PT, como o deputado Paulo Teixeira, vêm afirmando em campanha que Lula será ministro da Casa Civil. Questionado por VEJA, Teixeira recuou e disse que sua afirmação era “apenas uma parábola”. “Depois, a gente vai ver isso.”
Se, sem as máscaras da moderação, a briga entre os extremos já não era alvissareira, agora, com os discursos calcados no pragmatismo eleitoreiro, a situação fica ainda mais dúbia. Afinal, o Brasil teve mais de uma experiência de eleger um presidente que finge ser o que não é.
AGORA É QUE SÃO ELAS
Criado em 30 de agosto no Facebook, o grupo Mulheres Unidas contra Bolsonaro (MUCB) decolou rapidamente. Em duas semanas, houve quase 2 milhões de adesões. Mal esse patamar foi atingido e veio o ataque: um hacker violou o celular de uma administradora da página e mudou a configuração. O embate é o retrato da conflituosa relação entre o candidato Jair Bolsonaro, do PSL, autor de expressões vergonhosamente misóginas, e as eleitoras que não engolem o machismo explícito. Embora ele seja líder das pesquisas, com 28%, o pelotão bolsonarista é formado em sua maioria por homens: 36%, contra 21% de mulheres, segundo o último levantamento do instituto Datafolha.
O chip clonado do celular da professora Maíra Nunes permitiu a invasão da página do MUCB, que sofreu adulterações — o grupo foi rebatizado Mulheres com Bolsonaro, Maíra teve dados pessoais divulgados, e ela e outras mulheres foram xingadas. A publicitária Ludmila Teixeira, outra administradora da página, contou a VEJA: “Até meu e-mail foi invadido”. O Facebook tomou providências e devolveu o MUCB às suas fundadoras. Por precaução, elas alteraram o status da comunidade para “secreto”, visível apenas a integrantes — o que não deixa de ser uma vitória dos hackeadores. A polícia investiga o caso.
De acordo com o Datafolha, 49% das entrevistadas declararam que não votariam de jeito nenhum no candidato do PSL (a rejeição feminina ao segundo colocado, Fernando Haddad, do PT, ficou em 24%). Mais preocupante ainda para a equipe bolsonarista é o fato de o número estar subindo; há um mês, era 43%. “Se ele não conseguir baixar o índice, a eleição ficará bem difícil”, avalia o cientista político Geraldo Tadeu. Nesta semana, o candidato divulgou um vídeo em que, emocionado, revela que fez uma reversão de vasectomia para ter a filha Laura, de 7 anos. Aí veio seu vice, o general Hamilton Mourão, e melou tudo ao afirmar que famílias “sem pai e avô, mas com mãe e avó” são “fábricas de desajustados”. Assim, fica complicado, muito complicado, conquistar as mulheres.
Fernando Molica
Edoardo Ghirotto e Eduardo Gonçalves, Veja