quarta-feira, 5 de outubro de 2016

"Putin se esforça pelo papel de vilão principal", editorial de O Globo

O Globo

Da crise síria à responsabilidade na derrubada de avião de passageiros na Ucrânia, ações do presidente russo para se manter no poder beiram a inconsequência


No quadro geopolítico atual, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, parece se esforçar para ocupar o papel de principal ameaça à paz mundial. Pelo menos é isso que se pode depreender de ações como a recente escalada de bombardeios russos na Síria, inclusive contra alvos civis em cidades sitiadas, como Aleppo, e os comboios de ajuda humanitária.

Vale lembrar que o conflito sírio já matou mais de meio milhão de pessoas. Outras 250 mil estão ameaçadas nas cidades sitiadas, além de ter causado o maior êxodo do pós-guerra.

Com a ação de Putin, os EUA se retiraram das negociações para um cessar-fogo.

A isto se somam novas evidências do papel ativo de Moscou na derrubada de um avião comercial de passageiros da Malasia Airlines em julho de 2014, quando sobrevoava a Ucrânia. O avião foi atingido por um míssil, matando todas as 298 pessoas a bordo. Putin acusou o governo da Ucrânia, mas foi desmentido agora por investigadores internacionais. Merecem menção ainda o assassinato de dissidentes do presidente russo; e a invasão por hackers de-mails de Hillary Clinton, para favorecer Donald Trump na corrida eleitoral.

Como lembrou recentemente o “New York Times”, a Casa Branca diz que embora a escalada de conflitos preocupe, ela ainda não pode ser classificada como o ressurgimento da guerra fria, tal como se viu no fim do século passado. A luta de Putin para se manter no poder e expandir seus domínios não tem um caráter ideológico, como na era soviética. 

Além disso, embora tanto EUA como Rússia tenham voltado a investir na modernização de armamentos, não há uma corrida nuclear em andamento. E mesmo o conflito sírio não é considerado por Washington uma ameaça imediata aos interesses americanos.

Mesmo assim, preocupa a obstinada tendência de Putin em tentar desestabilizar a ordem mundial, levando a Rússia na contramão de sua responsabilidade como membro permanente do Conselho de Segurança da ONU. Parte da força eleitoral do presidente russo se sustenta em bases nacionalistas, e ele vem tentando associar à sua imagem a do restaurador da “Mãe Rússia”, inclusive com alusões à glória dos tempos soviéticos.

Tal estratégia norteia as ações externas da Rússia e as perigosas iniciativas de Putin. Mas se o passado tem seu quinhão de nostalgias de grandeza e domínio, também ensina que a União Soviética desmoronou justamente por embarcar em projetos imperiais insustentáveis, como a corrida armamentista da Guerra nas Estrelas.

As investidas de Putin também custam caro ao país, já abalado por sanções internacionais, queda dos preços de commodities, sobretudo o petróleo, além de erros de gestão. A população russa precisa mais do que o velho sonho nacionalista no qual se apoia Putin.