sábado, 22 de outubro de 2016

Paulo Hartung: "Além da PEC dos gastos"

O Globo

Se há uma coisa que esse momento crítico evidenciou é que o Brasil não suporta mais privilégios — até porque não há recursos públicos que os sustentem

A aprovação em primeira votação da PEC 241 é, certamente, uma boa notícia. Mas, mesmo com a concretização dessa fundamental medida, é preciso ter claro que ela não resolve todos os nossos problemas. É preciso ir além, e refazer as bases que estruturam o país, seja pelo seu anacronismo, seja pelo que historicamente oferecem de impedimentos à conquista de vida justa e digna por todos.

Infelizmente, tivemos de chegar a uma crise sem precedentes, com o alarmante número de 12 milhões de desempregados, atravessada por elementos econômicos, políticos e éticos, para nos pautarmos pela agenda inadiável da reinvenção do Brasil. Mas as crises, além dos justificáveis lamentos, podem nos gerar aprendizados e, com isso, nos levar à inspiração e ao trabalho por um futuro diferente.

Nesse sentido, se há uma coisa que esse momento crítico evidenciou é que o Brasil não suporta mais privilégios — até porque não há recursos públicos que os sustentem. Ao longo da história, grupos alojados nas máquinas públicas e também em segmentos do setor privado, de todas as colorações ideológicas, vêm mostrando, com extraordinária competência discursiva, que são experts em fazer equivaler a agenda de seus interesses corporativistas à pauta do interesse público.

Instalou-se um regime de privilégios que inviabilizou a Constituição de uma nação verdadeiramente republicana. Assim, de pronto, há de se saber que os defensores desse perverso status quo não tardarão em empunhar suas bandeiras em “defesa do Brasil” — de seu Brasil particular, diga-se.

Ou seja, em linhas gerais, reinventar o país significa colocar o Brasil a serviço de todos os brasileiros. É, por exemplo, equilibrar as contas públicas, dando credibilidade e estabilidade ao país, para que o desenvolvimento socioeconômico seja retomado e com ele sejam criados os milhões de empregos que hoje são apenas sonhos de famílias que vivem o pesadelo da falta de vagas.

Para isso, toda uma revolução nacional precisa ser feita, começando com uma inadiável agenda de reformas (trabalhista, previdenciária, política, tributária e de Estado). Além disso, é preciso pôr em movimento a marcha de qualificação da educação básica, seja por tratar-se de inapelável agenda civilizatória e cidadã (emancipação e dignidade de vida como possibilidade efetiva para todos), seja por questões econômicas (inserção competitiva e sustentável na cena global da produção).

A grande pensadora Hannah Arendt, ao escrever sobre o sentido da política, é magistral: “um meio para um fim mais elevado”. Que remarquemos a conquista desses primeiros passos cruciais, mas que tenhamos consciência do tamanho e dos desafios da longa jornada rumo a uma nova história brasileira — um tempo em que a cidadania deixe de ser privilégio, as oportunidades de prosperidade sejam democratizadas e a competitividade nacional seja um diferencial a dinamizar sustentavelmente nossa produção de riquezas a serem compartilhadas por todos.

Paulo Hartung é governador do Espírito Santo