segunda-feira, 24 de outubro de 2016

"Oportunismo e urnas mostram que marca 'esquerda' está em baixa", por Joel Pinheiro da Fonseca

Folha de São Paulo

Em janeiro, Lula disse não ser esquerdista, e sim liberal. Marta Suplicy, ainda na campanha pela Prefeitura de São Paulo, foi na mesma linha: disse que jamais se colocara como de esquerda.

Até o candidato Marcelo Freixo declarou dias atrás que vai cortar secretarias para "enxugar a máquina pública" e já promete uma carta aberta para mostrar que não é tão de esquerda assim. Seu rival, Marcelo Crivella, antigo aliado de Dilma, hoje adere, ainda que com alguma inconsistência, ao discurso liberal, meritocrático e da austeridade.

O oportunismo de nossas figuras públicas demonstra, bem como o resultado das urnas, que a marca "esquerda" está em baixa. No lugar dela, entram os valores do liberalismo e da eficiência na gestão.

No entanto, é perigoso se entusiasmar. Valores e crenças por aqui costumam ser construções puramente retóricas para surfar a maré da opinião pública e manter tudo como está.

Mesmo assim, supondo que mesmo os puramente oportunistas farão concessões à opinião pública, veremos uma política menos presa à visão de mundo da esquerda.

E o que é ser de esquerda? É ver todo problema social como uma luta de classes. 

Se algum grupo sofre, é porque está sendo oprimido por algum outro, e a solução passa por tirar o privilégio injusto dos opressores malvados; um jogo de soma zero.

Ricos e pobres, patrões e funcionários, homens e mulheres, brancos e negros (mesmo num país em que a maioria não se define dentro dessa dicotomia); até o problema aparentemente técnico do transporte é transformado em uma luta de classes: carros opressores versus ônibus e bicicletas oprimidos.

A guerra está posta. Ser de esquerda é ler a realidade assim e adotar para si a defesa da parte mais fraca.

O que podemos chamar de velha direita acata essa leitura e, como reação, adota a defesa do lado mais forte: dos ricos trabalhadores contra a "gente diferenciada", do orgulho hétero, do machismo.

Esses jogam, involuntariamente, o jogo da esquerda, ao defender um lado antipático e em geral minoritário, incapaz de vencer democraticamente.

A resposta inteligente à esquerda é a negação das bases dessa leitura; justamente o que fazem os liberais.

A sociedade não é o embate entre opressores e oprimidos. Ninguém é apenas uma vítima esperando a ajuda que vem de cima. As pessoas são capazes de construir um futuro melhor para si e os demais.

Com regras claras, eficazes e iguais para todos, um Estado eficiente em atribuições essenciais e liberdade para criar valor a sociedade inteira ganha.

O dilema sobre qual classe ou grupo favorecer à custa dos demais é falso; ou todos progridem juntos, ou não haverá progresso. Se é muito caro contratar, perde a empresa que fica com menos funcionários e os trabalhadores que não acham emprego.

Ao invés do Estado como agente de redistribuição –que promove o improdutivo cabo de guerra de todos contra todos –, ele entra para garantir um ambiente propício a trocas mutuamente benéficas.

Se, entre exageros e ilusões, a ascensão da direita servir para caminharmos nessa direção (oposta à dos últimos anos), terá cumprido seu papel.