quarta-feira, 5 de outubro de 2016

“Não houve vencedores nas eleições”, diz Roberto Romano

Dyelle Menezes - Contas Abertas


O cientista político, Roberto Romano, professor da Unicamp, afirmou em entrevista ao Contas Abertas que o sistema político perdeu com a extraordinária rejeição da cidadania em relação à classe política. “Eu diria que não houve vencedores”, disse ao se referir a quantidade significativa de votos nulos, brancos e abstenções. Romano também comentou o enfraquecimento do Partido dos Trabalhadores e o resultados da mini reforma eleitoral que valeram para o pleito deste ano. Confira a entrevista completa:
Roberto RomanoContas Abertas – As mudanças nas regras eleitorais, como menos tempo de TV e fim do financiamento empresarial, foram positivas?
Roberto Romano – As pequenas conquistas são as que nos fazem melhorar gradativamente. Porém, acredito que essas mudanças foram apenas um remendo.
Contas Abertas – Quais foram os problemas?
Roberto Romano – No que diz respeito ao financiamento empresarial, ainda vimos uma corrida desigual entre os candidatos, de acordo com os aportes de cada partido ou dos próprios candidatos. Em São Paulo isso ficou muito claro. Dória contou com recursos do próprio bolso e com o de pessoas influentes. Somado a isso, temos a questão das coligações pelo tempo de televisão, que também foi decisivo em todo o país. De maneira geral, acredito que as disparidades eleitorais não foram resolvidas.
Contas Abertas – Foi um ano atípico de eleição com o impeachment?
Roberto Romano – No caso do impeachment, acredito que tenha sido decisivo para o aumento da rejeição ao PT. Porém, o que me parece ter sido decisivo nessas eleições é que o eleitor brasileiro, com seus votos brancos, nulos e abstenções, está se afastando da política e das instituições. Pesquisa do Latinobarômetro já havia apontado a descrença do brasileiro com o sistema democrático.
Contas Abertas – É um problema institucional?
Roberto Romano – O próprio presidente da República falou que é um problema institucional. Muito tem se falado que as instituições estão funcionando no Brasil, mas isso é um mito. Para que funcionem plenamente é necessário que os titulares cumpram as tarefas com base na missão constitucional da função. O que vemos, no entanto, é que o presidente da Câmara dos Deputados foi cassado, há dúvidas sobre a isenção do Judiciário e a própria presidente da República foi impedida. Essa anormalidade está instituída desde que entramos no primeiro governo Dilma. Já havia ali a desarmonia das instituições.
Contas Abertas – Mas e a Lava Jato?
Roberto Romano – Todo o entusiasmo com a Lava Jata mostra exatamente a carência da população com relação ao poder público. Quando se busca heróis é porque as instituições não estão funcionando. Os cidadãos não aguentam mais essa máquina burocrática, centralizadora e corruptora. Eu sou um defensor do Ministério Público desde longa data, mas entendo que há pontos que precisam melhorar, como presença de promotores em municípios tiranizando a política local.
Contas Abertas – Uma reforma política mais profunda resolveria? O Congresso tem condições para esse projeto?
Roberto Romano – O primeiro projeto de Reforma Política foi apresentado pelo senador Rodrigo Caiado e previa voto de lista, que privilegiava quem já tinha cargo. Desde então estamos patinando com supostas reformas políticas. Nunca se chegou nem perto, no entanto, de uma proposta de democratização dos partidos. É preciso impedir comandos de mais de dois anos em partidos, além de eleições primárias que sejam respeitadas. Vários organismos internacionais fiscalizam essas regras mundo afora, mas não temos tais mecanismos para que as legendas obedeçam efetivamente aos ideais dos filiados e não de seus principais comandantes
Contas Abertas – Podemos falar de vencedores e vencidos nessas eleições?
Roberto Romano – Eu diria que não houve vencedores. Todos perderam com essa extraordinária rejeição da cidadania com a classe política. Mas veja que, claramente, o PT perdeu eloquentemente e poucos partidários possuem a capacidade ou estão dispostos a fazer uma autocrítica. O PMDB manteve a tradição de “base sólida” nos municípios. O PSDB, por sua vez, não domina as prefeituras como o PMDB e ainda se concentra muito no centro-sul. Além disso, o PSDB precisa apresentar coesão.
Contas Abertas – Qual será o futuro do PT?
Roberto Romano – O único caminho para o PT foi indicado pelo ex-governador da agremiação no Rio Grande do Sul, Olívio Dutra. É preciso tirar o poder interno das direções, que fizeram a política desastrosa do partido. Será necessário redirecionar a orientação do partido e verificar se é possível essa reexpansão. Além disso, o PT tem que retomar a relação com os militantes de base, o que foi um erro gravíssimo nos últimos anos. Se nada disso acontecer, o partido vai ficar sem peso eleitoral e social.
Contas Abertas – O Lula foi grande derrotado dessas eleições?
Roberto Romano  A grande derrotada foi a esquerda. Dentro dessa afirmação é preciso analisar, com certeza, o papel de líderes como Lula. As decisões, como candidaturas, passaram de discussões abertas para o bolso do Lula, como aconteceu com Dilma e Haddad. Sistematicamente, todo a liderança do partido foi cortada pelo próprio PT. Se tivessem 10 lideranças nacionais, o baque seria menor. Hoje o PT e a própria esquerda ainda dependem de Lula, que pode sair do jogo político a qualquer momento, seja por velhice, doença ou prisão.
Contas Abertas – O senhor vê de maneira positiva as perspectivas para o futuro?
Roberto Romano – Não vejo de maneira positiva. Vejo sem rir e sem chorar, mas tentando compreender. A lógica agora é reunião de forças no sistema político. E não digo de redes sociais, mas sim de corpos, de pessoas concretas. Quanto mais seres humanos concretos se tiver do lado, mais força se vai ter. A esquerda falhou em reunir pessoas e a direita está conseguindo mais forças nesse sentido. O importante é ver o sistema democrático representado mais uma vez, não importa de qual lado.